Papéis

Os papéis estão sobre a mesa.

Geralmente eles ficam sobre as mesas,

quando não dentro das pessoas.

Às vezes, eu os engaveto.

Como quem guarda, em um baú,

As pedrinhas recolhidas nas praias dos rios

[da infância.

Ou qual as mães mantêm, na gaveta do mudo criado,

nossos primeiros desenhos,

cuja beleza só aparece aos olhos delas.

Os papéis estão sobre a mesa.

Por janelas minhas abertas,

entram ventos que tentam carregá-los.

Mas os papéis não cedem.

Eles contêm muitos sóis e luas;

muita gente os povoa.

Eles somam a leveza de um sorriso

e o fardo de um pecado.

Tento organizá-los.

Todavia, é da natureza dos papéis o serem

[não-sistematizáveis.

E de que forma, se sou eu mesmo

Uma Babel de sentimentos e idéias?

A poesia está em mim.

A poesia que alguém,

ao ler-me, pode talvez

ver, ouvir, tatear, degustar em meus versos,

não é a minha poesia;

apenas a dele próprio ou a que Deus

imprimiu à sua criação.

Os papéis estão sobre a mesa!

Não os deixe em branco!

Ou, mesmo em branco, encha-os de significado!

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 06/03/2010
Código do texto: T2122764
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.