Papéis
Os papéis estão sobre a mesa.
Geralmente eles ficam sobre as mesas,
quando não dentro das pessoas.
Às vezes, eu os engaveto.
Como quem guarda, em um baú,
As pedrinhas recolhidas nas praias dos rios
[da infância.
Ou qual as mães mantêm, na gaveta do mudo criado,
nossos primeiros desenhos,
cuja beleza só aparece aos olhos delas.
Os papéis estão sobre a mesa.
Por janelas minhas abertas,
entram ventos que tentam carregá-los.
Mas os papéis não cedem.
Eles contêm muitos sóis e luas;
muita gente os povoa.
Eles somam a leveza de um sorriso
e o fardo de um pecado.
Tento organizá-los.
Todavia, é da natureza dos papéis o serem
[não-sistematizáveis.
E de que forma, se sou eu mesmo
Uma Babel de sentimentos e idéias?
A poesia está em mim.
A poesia que alguém,
ao ler-me, pode talvez
ver, ouvir, tatear, degustar em meus versos,
não é a minha poesia;
apenas a dele próprio ou a que Deus
imprimiu à sua criação.
Os papéis estão sobre a mesa!
Não os deixe em branco!
Ou, mesmo em branco, encha-os de significado!