Habeas Pinho (Petição em versos do Advogado Ronaldo Cunha Lima)
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito.
O instrumento do crime que se arrola
neste processo de contravenção
não é faca, revólver nem pistola
é simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade,
não matou nem feriu um cidadão,
feriu, sim, a sensibilidade
de quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura
instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura
inexiste entre os dois afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
dos menestréis de alma enternecida
que cantam as mágoas que povoam a vida
e sufocam as suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
é sentimento, vida e alegria,
é pureza, é néctar que extasia,
é adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório,
mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
e não para ser arquivo de cartório.
Mande soltá-lo pelo amor da noite
que se sente vazia em suas horas,
para sentir de novo o terno açoite
de suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime e, afinal, será pecado,
será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado,
derramando na praça suas dores?
É o apelo que lhe dirigimos,
na Certeza do seu acolhimento.
Juntada desta aos autos nós pedimos
e pedimos também deferimento.
Ass. Ronaldo Cunha Lima
Advogado.
Despacho do Juiz,
Dr. Artur Moura:
Para que eu não carregue
remorso no coração,
determino que se entregue
ao seu dono, o violão.