LEMBRANÇAS PÓSTUMAS
Do fatídico dia de meu falecimento,
deixo a todos, o lembrar desse velho corpo mundano,
de braços cruzados sobre o fúnebre peito e, no rosto,
leve sorriso, com tanto esmero, coberto de flores...,
no caixão estendo.
Aos meus queridos amigos,
deixo a certeza de uma fidelidade renitente,
pois os importunei com meu insolente espírito,
desde o dia em que os conheci, até o desvanecer
de meu último e lancinante suspiro!
De meu querido jazigo, vazio e escuro,
de onde riu sozinho das tolices dos vivos e seus absurdos,
deixo apenas um cantinho ávido em cima do túmulo,
a espera da vela ou do cravo, ainda que mucho!
Para homenagem póstuma, a alma profana...,
desse pobre defunto.
Aos meus fingidos amigos,
aos hipócritas fariseus, Judas, ateus, espíritas, católicos e crentes,
deixo apenas a ironia de meu sarcástico sorriso. Como vingança, deixo ainda, um desagravo escárnio na ponta da língua e a pior, das piores, da minha última injuria, ainda que falsa! Gravada com as unhas, com os dentes, com o osso da perna, pouco importa!
Odiosa lembrança, escrita no avesso da tampa...,
de meu sinistro caixão!
Deixo aos meus entes queridos,
a dedicação canina de minha esposa e filhos,
a certeza absoluta de meu amor infinito e, de que,
mesmo após a morte, ainda guardo comigo, eterno amor,
no imo do peito, no fundo profundo...,
de meu coração!
Deixou ainda, à minha esposa querida,
uma bela casa de campo e um carro do ano, sem dívida!
Na gaiola, no alto da varanda, meu ingrato canário.., filho da puta!
Indiferente a tudo, sempre alegre e cantando, indiferente aos beijos, ao riso amante, ao ataque cardíaco, aos vermes, ao corpo putrefato sendo comido,ao ramo de flor, ao carcomido caixão...,
enterrados no chão!
Como morri em bom estado de espírito,
deixo até uns trocados no banco, ao meu eventual substituto..., canalha, que seja feliz! Agora, só me resta torcer, aqui de meu jazigo vazio e escuro, que não seja escolhido um pródigo ou um vagabundo, pois tenho certeza, que logo serei esquecido por todos e tudo, como foi o cantinho ávido em cima do túmulo, que permanece vazio,
a espera do lembrar, de um velho amigo, ou quem sabe,
até de um ente querido, para homenagem póstuma,
a alma pedinte..., desse pobre defunto!