Mito
Meus caros amigos!
Confesso que sou um grande medroso.
Meu medo é um medo tão pavoroso, que explode como vulcão monstruoso, expelindo lava de fogo, queimando tudo dentro de mim.
Gostaria de ser, mas não sou destemido.
Não tenho a coragem de Dédalo e de Ícaro.
Ficaria preso eternamente na ilha de Minos.
Jamais voaria sobre o Egeu infinito...
tentando fugir!
Meus amigos!
Não me olhem com esse cinismo estampando na cara!
Nem riam de minhas tolas palavras!
Confesso que invejo a coragem do homem primata,
gostaria de ter apenas uma roupa de pele, uma lança de pedra e uma clava pesada. Empreender epopéias por terra e mares.
Atravessar infinitas florestas e vales.
Perseguir Mamutes gigantes por meses e anos.
Travar ferozes batalhas a cada instante...
sem medo sentir.
Mas confesso que sou apenas um grande medroso!
Não sou um Ícaro de Creta, nem homem de tempos primórdios.
Não persigo mamutes gigantes com lança de pedra. Não necessito só de roupa de couro e de clava pesada. Nunca atravessarei infinitos oceanos e mares, nem imensas florestas e vales.
Morrerei sem grandes aventuras.
Sem travar batalhas ferozes a cada instante.
Sem voou suicida e queda no mar.
Meus amigos!
Sou homem de tempos modernos.
Vivo angustiando nessa imensa selva de prédios.
Acuado como bicho assustado, em minha pequena caverna suspensa no alto, vigiada por todos os lados como ilha de Creta.
Cercada de muros e grade de ferro, de onde...de onde nunca conseguirei me libertar!
Meus amigos,
não clamem por minha liberdade!
Não me venham com falsas promessas.
Não me tentem com epopéias por grandes florestas,
nem com batalhas ferozes contra mamutes gigantes.
Não me forneçam idéias mirabolantes de Dédalo.
Falta-me coragem para voar.
Já disse que sou um grande medroso de espírito.
Como todos vocês morrerei a qualquer momento, velho e solitário em minha ilha de Minos, desesperado e aflito, ouvindo pela última vez, lá do alto de meu pequeno esconderijo, sirenes e gritos,
de abutres vestidos de branco,
fingindo querer me salvar!