TRADUZIR/ADAPTAR/RECRIAR

Este texto tem a finalidade de estabelecer uma reflexão sobre traduções, adaptações e recriações de textos poéticos.

Poetas, em geral, apreciam traduzir/adaptar/recriar composições poéticas. Entretanto, não lhes deve faltar a bagagem mínima necessária e indispensável ao se trabalhar com a literatura. Baseando-se apenas na emoção, não funciona. É preciso a concorrência da técnica, do método e da ciência.

A tradução tem fama de traidora e perniciosa, mas quem não gostaria de saber o segredo que contém um texto e, não o consegue, pois não domina determinada língua ou literatura de idioma estrangeiro? Não se vive sem traduzir. Se a tradução é um mal, é também um mal necessário.

Os jovens apreciam descobrir o que dizem as letras das músicas em inglês, língua que os fascina. Quando algum desses jovens se interessa pela literatura poética, o desejo é o mesmo. Maior ainda.

Para se tentar a tradução de um texto em língua estrangeira é preciso um preparo especial, existe até curso voltado somente para a tradução. Esta atividade não dispensa conhecimento de muitas causas: biobibliografia do autor a ser traduzido, literatura em geral, teoria literária, língua portuguesa, língua estrangeira, linguística, estilística e mais e mais, além de uma cultura geral que envolva outras áreas a exemplo de filosofia, psicologia, história, sociologia, etc.

Sabe-se perfeitamente existir uma diferença muito sensível entre traduzir e adaptar. Um texto tem o gosto e o cheiro da sua cultura, do seu contexto e contém a alma do autor. Portanto, cada indivíduo desenvolve seu modo intransferível de ver/ler o mundo. Jamais sentiria ou diria o que sentiu Rimbaud, Verlaine, Shakespeare ou outro qualquer. E nem seria possível conseguir tal bravata tratando-se de autores nascidos no mesmo continente, mas de países de língua estranha à nossa. Mesmo que alguém domine fluentemente a escrita e a oralidade de tal idioma estrangeiro, ainda assim será impossível traduzir textos que sejam cem por cento fieis ao original. Jamais se alimente um sonho desses.

De toda forma, precisa-se conhecer o texto e, para tal, especialmente no caso da poesia, cumpre engendrar uma espécie de mágica, sortilégio, de tal forma a apropriar-se do autor escolhido; sentir-lhe a pele, a dor, o amor, o ódio, e assim por diante. Esse exercício de mergulhar na personalidade do outro é comum na dramaturgia.

Durante a realização de curso de teatro, na UFS, ministrado pelo Professor Carlos Murtinho (na década de 70), um dos exercícios propostos era ficar o participante sentado frente ao colega com quem iria contracenar e, com uma vela, posta no piso da sala, entre eles, cada um deveria fixar firme e simultaneamente o olhar na chama. Em uma segunda atividade, os alunos olhariam longamente dentro dos olhos um do outro para tentar absorver-lhe a alma, o pensamento, a essência.

Ao intentar traduzir um poema sem cair no ipsis litteris, faz-se algo parecido, lendo e relendo, mirando a luz do texto e enamorando-se do (a) poeta traduzido (a). Fora disto é pura perda de tempo e a tradução ficará pobre, medíocre, sem sal e sem açúcar.

A adaptação não dispensa a tradução. Há que se tentar inúmeras vezes e rasgar muito papel. Não é aconselhável apostar em tradução digitada no Word (o que só será efetivado no momento em que estiver pronta no papel) e nem consultando insensíveis tradutores mecânicos.

Para alcançar a adaptação, o caminho é semelhante, um fazer e refazer, um diálogo com o texto num exercício mental que processa todas as informações sucintamente aqui expostas e mais outras.

Em se tratando da emoção e da inspiração, não há dúvidas, o tradutor/adaptador, ao escrever, realiza o mais belo ato de amor com o seu traduzido/adaptado. E colocará em sua criação algo dele e algo de si numa explosão magnífica e intraduzível. Sim, esse momento é intraduzível. Acontece a concepção de um novo poema.

A recriação vai mais longe, vai além de um orgasmo. O primeiro se dá com o a produção do texto recriado e, o segundo, seguido de orgasmos múltiplos, ocorre no momento em que o recriador confere, sente e tem a certeza de haver produzido um texto onde estará eternamente abraçado ao original dono da obra.