Futuro antecipado
Futuro antecipado
maria da graça almeida
Solitária, no tempo antecipei o futuro.
Adiantei-me e, com pressa e coragem,
experimentei-me trinta anos mais velha.
Pressenti meu olhar desbotado
a olhar por uma janela vazia.
Era a janela da minha alma
que a duras penas sobrevivia.
Abateu-me profunda a nostalgia
e um "banzo” diferente,
como se fosse eu a própria pátria
e de mim estivesse distante.
Senti falta do espelho ovalado
onde os sonhos eram cuidados
pelos olhos, cujo rímel
alongava os cílios da juventude
e pela boca, cujo batom
distribuía a bênção da inexperiência.
Senti uma saudade antecipada,
que me pôs desconcertada,
quando por um instante
fechei a porta do presente
e coloquei-me com os dois pés
numa estrada sem retorno
a lamentar a ausência de um passado
de trilhas e atalhos iluminados.
Senti do amanhã
os tremores das mãos envelhecidas.
Ouvi a voz do tempo pelo balbucio
dos lábios ressequidos e descorados.
Não sei se o mais contundente
foi o sabor da velhice vinda
ou se a certeza da juventude finda.
Antevi meus filhos, já avós;
meus netos, então pais.
Antevi-me bisavó, tataravó...
E eu estava ali,
com a face que não era minha,
num corpo estranho
que eu desconhecia,
corpo que se estreitara
e que pelo enrijecimento
não mais me servia.
Sem permissão,
um idoso por inteiro me habitava
e eu estranhei-lhe os hábitos,
os passos trôpegos e a pouca visão.
A grande idade penetrou-me com crueza
e mostrou-me o peso da limitação.
Aí, abruptamente, subtraí-me do futuro.
Trinta a mais são anos demais...
Talvez, mais três décadas destruíssem
a memória dos dias significativos
e a lembrança dos melhores sentimentos
que empalidecidos ficariam pra trás.