O HOMEM QUE SOBREVIVEU MAS NÃO FALOU

Voltou

como se a meia-volta fosse um regresso.

Teve o rosto pintado por flores,

barba cerrada, cara de bêbado,

tatuagens de lucidez na pele fina

e uma amnésia galopante na alma.

Voltou

para escrever e apagar a sobra da memória.

Ditou ao panfleto as impressões

digitais molhadas, dedos bemóis,

a segunda pessoa, o não dos “eus”

e o codinome das décadas partidas.

Na euforia dos saudosistas

teve seu rosto desenhado

e, na volta,

se encantou com as mulheres de peitos nus

com seus dentes de feras rasgando sutiãs.

Uma cara no cartaz

fez-lhe lembrar

das idas e vindas,

e se entregou às mulheres de pernas falsas

com suas chaves de boca extorquindo amor.

No tempo desperdiçado

criou pelos disfarçados

e, no retorno,

se encontrou com mulheres de relógios no punho direito

com suas chaves de pernas travando deslembrados.

No pasquim da banca

viu-se caricaturado

de novo e de antigo,

e se escondeu, desmemoriado, sob as saias do passado

em meio a panos plissados por tanto abrigar novas crias.

Mas, no meio da noite, silenciaram seu regresso,

decerto não escreverá um traço: excesso de democracia!...