CACOS DE SÍLABAS

Desculpa-me, poesia,

a mulher amada conseguiu vencer!

neste mundo,

o mesmíssimo mundo quase sempre o mesmo,

há ares diferentes de outros tempos.

Apesar de inexplicáveis,

os homens continuam desatentos ante qualquer conquista

mesmo próximos à vontade da paixão,

como no aguardo d’um raio de sol rasgar a vidraça.

Desculpa-me, poesia,

a mulher amada conseguiu vencer!

neste mundo,

o mesmíssimo mundo quase sempre o mesmo,

há cheiros diferentes de outros tempos.

Apesar de impalpáveis,

as mulheres continuam atentas e de cabelos mais curtos

mesmo próximas à vontade da ilusão,

como no aguardo d’um pingo d’água cair na vidraça.

O mundo continua quase sempre o mesmo

[coitado!]

com muito pouco espaço para o amor só sentido em poesia.

quão bom seria, enfim, se o mundo não ficasse

com o jeito de quase sempre o mesmo,

que as vidraças se quebrassem de uma vez por todas,

que o aprendizado à cata do tempo perdido

não viesse com cabelos pra lá de curtos nem com paus pra lá de duros,

sem melaços de cana instantâneos e sem flores de floriculturas.

Desperta, poesia, .

ainda restam mulheres pálidas, sem gosto de sol,

ainda sobram homens sem riso e com gosto de bebida.

apesar deste admirável mundo cheio de vidraças,

desculpe-me poesia:

uma mulher amada venceu!

[tão e tão, tanto e tanto]

que até os cabelos curtos voltaram a crescer,

que até os paus duros voltaram para o caminho de casa.

neste mundo,

o mesmíssimo mundo quase sempre o mesmo,

algumas janelas não mais vestem vidros:

uma mulher amada venceu!

a poesia,

em segundo plano,

é apenas um caco de sílabas.