AMOR INDOLENTE.
"Vedes donzela, que amor indolente,
Enlanguesce meu espírito o pálido do teu seio,
Da vaga mansa, tornou-se torrente,
A tua pena pro meu desvario,
Da fímbria alourada e de lânguidas olhos,
Tornou se ébrio buscando consolo.
Vedes donzela, que amor indolente,
Sinto n 'alma a forte fleuma,
No meu roto seio ardente,
No ais de tua pena,
No murchar da rosa púrpura,
No choro que o jardim oculta.
Vedes donzela, que amor indolente,
Sufoca a alma em seu último suspiro,
Aperta o peito numa dor cortante,
No afã doloroso de estar vivo,
No incipiente que há de porvir,
No acre desespero de existir.
Vedes donzela, que amor indolente,
Na luz lânguida da lua,
Sinto-me um demente,
Vejo-te pálida e nua,
Envolvida na névoa extasiada,
Estatua sem vida e desmaiada.
Vedes donzela, que amor indolente,
Pousa no colo a vossa infâmia,
Maldizendo-a cruel e severamente,
Dando-me a luxuria e blasfema,
Pecado mortal para um judeu,
Recebendo em troca a ira de Deus.
Vedes donzela, que amor indolente,
Dorme em m 'alma e brinca com meus sonhos,
Enveredando-me numa vida errante,
Exasperando-me com seus monstros,
Trazidos de longos tempos,
Confrontando com meus pensamentos.
Vedes donzela, que amor indolente,
Leva-me em veredas ocultas,
Profanando seu corpo carente,
Lhe pondo à fronte de insultas,
Não maldigo-a na conveniência,
Não digo-a na crença.
Vedes donzela, que amor indolente,
Levo-te ao céu em meu beijo,
Sinto em meu seio seus lábios ardentes,
Livrando-te deste desprezo,
No ocaso purpúreo que o sol ilumina,
Viveste só em tua vida peregrina.
Vedes donzela, que amor indolente,
Entregas-te ao acaso, a mercê da sorte,
Pulsa em meu peito um desejo de amante,
De beijar teus lábios cedendo-lhe à morte,
Levar-te lânguida ao céu,
Com aromas de flores e envolta no véu".