Auto-Exumação

Os anos passaram

Preso, sem algemas

A não ser as de papel

Que são mentais

Vivo aqui em casa

Encarcerado

Em meu túmulo para vivos

Minha casa.

Os anos passaram

Sucederam-se uns aos outros

Sem que eu assistisse

O desfile

Hoje, vejo-o passar

Em cortejo fúnebre

Minh’alma viúva

Viúva de mim

Que sequer viu o enterro

Hoje assiste a exumação

Prece judaica nos lábios

Os meus ossos doem

A viúva minh’alma, donzela assustada

Deixa o cemitério de minha vida

E volta para casa

Onde vive sem nunca ter gritado,

Nem se rido, nem gemido

Nada viveu, apenas sonhou

A viúva de minh’alma

Que sou eu morto em mim

Toca agora um pedacinho de realidade

Um fugaz momento no espelho

Um caco de vida que estilhaçou-se

Ali caído, no piso mal-varrido

Concretude, dor, verdade, vidro,

Rugas, calendário, datas, lembranças

Será tarde para acordar?

Será tarde para tocar a vida?

Uma poetisa me disse:

Não, não é tarde!

Sem querer, com medo

No pedacinho de vida

Ali caído e esquecido

Pus o dedo

Toquei-o

Peguei-o, segurei-o

Levei-o à boca...

Engoli!

E senti seu sabor

Um pedacinho... vivi.

Ressuscitei-me.

Nunca é tarde, pois.

Eis-me aqui !

(A todas as almas viúvas de si, as que não tocaram

e as que não tocam, a vida... )

Eron Levy
Enviado por Eron Levy em 30/01/2010
Reeditado em 10/12/2012
Código do texto: T2060069
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