MENINO LEVADO

Esse menino levado que não obedece a gente,

esse atalho que nos pega de surpresa no meio da rua,

esse porteira que se abre quando tudo deveria ficar estátua.

Essas cores que tão conhecemos pra não conhecer nenhuma,

essas pegadas que vem atrás e antes da gente a toda hora,

essa cicatriz que aparece antes que façamos o primeiro corte.

Esse fiapo de luz que escapa num repente bastardo,

essa engasgo que nos faz tropeçar no tempo feito bebum,

essa farsa que faz nosso sino gemer feito porco sendo açoitado sem pena nenhuma.

Essa ladainha que tanto ruminamos e que não conseguimos estancar nessas veias tão fajutas,

essa bactéria esquisita que nos arremete para topos, becos e saideiras da alma,

essa mãe gentil que nunca se cansa de embalar nossos sonhos, nem nossos musgos mais encocorados de alecrim dos céus.

E assim, possuídos pelas amarras avessas que não sabemos de onde vêm e nem pra onde vão,

vamos destravando esse vôo que não leva a nada.

E, justamente por isso, nos leva a tudo.