ESTRANHO SONHADOR
Quem me viu nascer
num pequeno lugarejo
no mato do sertão,
me viu, conviver em
conflito com a miséria,
varando seu poder;
sem jamais querer
retirar da terra o ferro,
enterrar no meu suor;
sem querer do chão
que brotasse a cobra d’água
ou milagre pra chover!
Quem me viu crescer
nem se quer levou a sério
o meu tino pensador!
Desbravando a peste,
acirrando meu tormento,
enfaixando meu pavor.
Recorrer ao santo,
abraçar o campo ardente
afinal, retroceder
ou desmoronar
esquecendo o povo alado
partindo sem querer!
Quem me viu sair
até hoje atenta e faz
recobrar no coração;
precisar de novo
o ponteiro dando voltas
pra nunca mais parar.
Acertar na sorte ou
bater o pé na estrada
- vidente ou trovador!
trabalhar em circo,
assinar escrita em branco
pondo em risco meu valor.
Hoje estou aqui
relembrando aquele tempo:
um estranho sonhador
e aquela gente
alimentando o processo
que o esquema lhe impõe.
Esquecendo tudo
apostando na bravura
do vermelhão do sol,
trabalhando forte,
operando a conjuntura
aumentando meu sofrer.
O chão molhado, a frieira no meu pé;
a pulga entrando espetando o solar.
a dor de dente, o sarampo que doeu,
o piolhento moleque, que morreu.
Meu cachorrinho tristonho acompanhou,
o meu gatinho empanando seu amor.
O meu galinho seu canto despojou,
meu canarinho valente se assustou.
O trem de ferro apitando disparou
tremeu na curva afogando minha dor;
de ponte em ponte ofegante me levou,
na derradeira parada me deixou.
A cuscuzeira fervendo sem parar
a cabidela esperando no quintal;
o mungunzá resoluto a fervilhar,
biju caseiro e chouriço pra mimar!