Não quero escrever um poema

Não quero ser poeta.

Não quero fingir no poema.

Não quero que restem de mim alegrias, amores.

Quero que meu cadáver mudo

Seja entregue ao ventre sujo da terra

E que assim, sepultado, sirva de alimento

Aos vermes que, como eu, não sonham

Não dançam, não escrevem poemas, só comem.

Quero ser comido pelos vermes

Até que só sobrem de mim

Restos sinceros: vexames, preguiça, ócio.

Quero que os vermes roam meu cadáver

Chegando em mim até os ossos

Até que eu não seja mais que fezes,

Merda de vermes acéfalos.

Não quero ser cremado.

Não quero que as cinzas dos meus ossos

Venham a rodopiar e dançar ao sabor do vento

Simulando vida, numa alegria fingida.

Alegria que, enquanto vivo, eu não tive.