ELEGIAS
ELEGIA DA LEMBRANÇA IMPOSSÍVEL (JORGE LUÍS BORGES)
O que não daria eu pela memória
De uma rua de terra com baixos taipais
E de um alto ginete enchendo a alba
(Com o poncho grande e coçado)
Num dos dias da planície,
Num dia sem data.
O que não daria eu pela memória
Da minha mãe a olhar a manhã
Na fazenda de Santa Irene,
Sem saber que o seu nome ia ser Borges.
O que não daria eu pela memória
De ter lutado em Cepeda
E de ter visto Estanislao del Campo
Saudando a primeira bala
Com a alegria da coragem.
O que não daria eu pela memória
Dos barcos de Hengisto,
Zarpando do areal da Dinamarca
Para devastar uma ilha
Que ainda não era a Inglaterra.
O que não daria eu pela memória
(Tive-a e já a perdi)
De uma tela de ouro de Turner,
Tão vasta como a música.
O que não daria eu pela memória
De ter sido um ouvinte daquele Sócrates
Que, na tarde da cicuta,
Examinou serenamente o problema
Da imortalidade,
Alternando os mitos e as razões
Enquanto a morte azul ia subindo
Dos seus pés já tão frios.
O que não daria eu pela memória
De que tu me dissesses que me amavas
E de não ter dormido até à aurora,
Dissoluto e feliz.
Jorge Luis Borges, in "A Moeda de Ferro"
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ELEGIA DO POSSÍVEL (Tânia Meneses)
O que não daria eu para compor uma elegia como esta de Borges
Mas é impossível
Borges é Borges
E o que eu não daria, não para ser Borges,
Mas para fazer a elegia do possível
Das manhãs favoráveis e intactas
O que eu não daria, meu Deus, para dizer ao mundo
Da alegria em mim tão cristalina
E o quanto feliz eu seria
De caminhar outra vez com meu pai, de mãos dadas
O que eu não daria pelo viço da minha pele e
Pelas minhas mãos magras e finas
O que eu não daria pelas manhãs de nada fazer
A não ser inventar mundos
Ai, o que eu não daria _ mais que a vida _
Para cantar
E encher o copo da noite
E me embriagar de boemia e me esquecer dos relógios
O sol me convida para a rua
O que eu não daria pelo brilho e êxtase de estrelas cadentes
E correr pelas ruas, pular poças
Puxar flores dos muros
O que eu não daria pelo tempo de mentir
E não ter pecado
Pois o pecado é o sabido
O que eu não daria para a lua não se vestir
E, derramasse seu brilho em meus olhos,
E me cantasse canções falando de ti
O que eu não daria pela paixão da poesia
E para viver eternamente
Esta suavíssima agonia