E-Mail à Ex-Mulher - 1
Resta ainda dizer-te algo: esqueceste tua camisola pendurada no varal
E uma toalha em cima da cama, molhada, com cheiro de pós-banho
Ainda não tive coragem de abrir nosso guarda-roupa.
De abrir nosso passado em comum.
Mas presumo que também lá, devem haver roupas tuas.
Devem haver, portanto, lembranças de ti.
Motivo óbvio pelo qual ainda não o abri.
Estou vestindo as roupas que estavam no cesto para lavar,
As quais já lavei, passei, dobrei,
E guardei na gaveta da penteadeira, onde guardavas as tuas roupas íntimas.
Aquela que sempre esquecias entreaberta, e que foi o estopim para algumas de nossas brigas.
Hoje penso, quem dera tivéssemos nos separado apenas por causa dessa gaveta...
Quando o passado tiver já passado, mandarei pelo correio
A camisola que ainda seca no varal lá fora,
A toalha que ainda molha a cama aqui dentro.
E as possíveis lembranças de ti, que na certa jazem dentro daquele que,
Até três semanas atrás, foi o nosso guarda-roupa...
Quando o passado se fizer apenas passado, mandarei pois, pelo correio,
Os panos que te enxugavam e te vestiam.
A camisola será mandada sem passar. A toalha, idem.
As tuas roupas daquele que hoje é o meu guarda-roupa, que, caso lá estejam, há de estar passadas
Serão mandadas, obviamente, passadas. Porque assim as deixaste.
Enquanto tento engolir o passado, mal passado,
Tua toalha molhada, tua camisola molhada,
Hão de logo secar. As lágrimas que deixaste secaram primeiro.
Espero que o colchão, onde deixaste tua toalha molhada,
Seque logo também, pois nele ainda pretendo dormir,
Quando o passado passar...
Enquanto isso, só o gato dorme lá.
De um lado dorme o gato, do outro, a tua toalha.
Eu durmo no sofá. desde o ano passado, como bem deves lembrar-te.
Aqueles que foram os nossos lençóis, pretendo doar para os pobres.
E aquele que foi nosso edredom, e que contigo levaste,
Através deste e-mail venho lembrar-te
Que foi o último presente de mamãe, e que ao receber pelo correio aquilo que por direito é teu,
Pelo correio mande, aquilo que por direito é meu.
Caso sintas necessidade dos teus panos, antes de o passado de fato passar,
E pressa tiveres de com tua toalha te enxugares (daqueles banhos demoradíssmos),
Rogo-te que mandes alguém para aqui apanhá-la
Junto com as roupas e o que mais houver de teu jogado por esta casa
E que, por gentileza, não te esqueças de por esse alguém
Enviar-me meu edredom, pois na sala faz muito frio à noite
Bem, como já disse, o gato só dorme no quarto,
Naquela que há muito foi nossa cama, e que há tempos era somente tua,
E que logo será somente minha, pois que hoje é somente do gato.
O bichano. Na certa o bichano lá dorme e deixa seus pêlos
Por saudades de ti...
Se quiseres posso enviá-lo também pelo correio
Ou, se preferires, mando alguém deixá-lo aí,
Na casa de tua mãe, para onde voltaste
E de onde, convenhamos, nunca deverias ter saído.
Aliás, o gato está sem ração. E devido aos gastos supérfluos,
E tantas contas não pagas, que sobre a penteadeira deixaste,
Sem condições estou para comprar-lhe o alimento
Estamos comendo – o gato e eu - o que ficou no armário
Da última compra que fizemos, tu e eu.
No mais, tudo corre tranqüilamente bem,
E bem tudo tem corrido, desde há três semanas, quando daqui partiste.
A não ser um fato desagradável: aquele vinho que me deste no último natal
Por distração deixei cair das mãos, e jaz escorrido,
Junto com os cacos de vidro, lá no piso da cozinha.
Isso foi agora de pouco, antes de resolver escrever-te.
Aliás, foi devido a este fato que de ti lembrei-me
E também por ver a tua camisola lá no varal, quando fui pegar o pano de chão,
Que deixaste de molho num balde, e que eu lavei e pendurei ao lado da tua camisola,
Lembrei-me de ti, pois que foste tu quem me deste o vinho,
Além do mais, a camisola também só pode ser tua. Nem cheguei a provar do vinho...
Creio que essa foi a maior perda, dos últimos meses...
Pior que isso, só a morte do chiquito, o periquito que tanto odiavas!
Aliás, desde que foste embora, penso em arrumar outro periquito.
Mas desta vez, tomarei mais cuidado, para que ele não escape do viveiro,
E o gato, caso aqui ainda esteja, venha a matá-lo, como fez com o chiquito.
Espero que pelo menos dele – do gato - sintas saudades
E que no dia em que decidir-me por enviá-lo
Na tua caixa postal, do correio saias tão satisfeita quanto naquele dia
Em que enterrei o chiquito no quintal, ao pé da pitangueira.
É muito esperto e muito belo, o nosso gato, que somente teu, e de tua mãe,
Por mim e por todos tão bem quista, somente de vocês ele há de ser...
Se pudesse, o enviava agora mesmo, por e-mail... mas não te preocupes,
Logo o terás por companhia..
O anexo que faço o favor de enviar nesse e-mail que agora lês,
E que bem poderia ser o gato, mas que não é,
São fotos que encontrei ontem à noite numa pasta minha
E que não sendo minhas, presumo que sejam tuas.
Após alguma reflexão, decidi enviá-las no teu e-mail,
Antes de deletá-las da minha pasta e da lixeira.
No mais, tudo corre na mais perfeita ordem.
Como sempre, e principalmente nas últimas três semanas.
Faço votos de que tenhas sido bem recebida, na volta à casa em que nasceste.
Sem mais, e cordialmente,
O chifrudo.