PARA ENCONTRAR A POESIA
Esquece que tens início, meio, fim
Tu és tempo, terra, água, fogo, ar
Em ti o universo, a respiração, o sussurro, a inicial pureza
Caminha e fala ao espaço, ao tempo
Ordena às montanhas que se curvem à tua frente
E ao grão de mostarda que não seja a menor semente
Abre e fecha o mar
Faze também o dilúvio, a água sumir e, depois, baixar
_ Tu podes fazer a paz reinar _
Ser gerado, nascer, crescer, morrer
Nada disto existe
Senta naquele tosco banco de um boteco
Numa rua mal falada, triste
E conversa com os feios, os malfazejos, a moça descarada
Fala de amor e de fome
Fala do céu e das estrelas
Pergunta sobre Deus
Entrega a gravata para a menina fazer o vestido da boneca
Rasga um importante documento
Mente no escritório que o levou o vento
Fica de pés no chão, corre na grama
Come um salgado suspeito
Toma um suco mal feito
Cumprimenta o pedinte
Entrega-lhe cheia de dinheiro a carteira
Passa a mão nos cabelos daquele menino sujo
Sentado no meio-fio
Entra num ônibus sem olhar a direção
Conversa com o motorista
Chama-o irmão
Desabotoa a camisa
Abre o peito, deixe-o à vista
Para que o sol te beije
E se chover, melhor, enfia os pés na poça
Faze um barco de papel
Toma um café quentinho
Numa carcomida xícara de louça
Aproveita a ponte, olhemos o sol se aninhando nas nuvens, no longe horizonte
Vem comigo pra onde nem sei
Depois pensaremos nisto
Sejamos uns fora da lei
Falta deitar numa rede e se balançar
Esperar no céu a lua apontar
Um chuvisco fininho
Um monte de beijos, carinho
Falta que digas te quero muito
Ao que responderei
Certa de que a vida não finda
Eu te quero mais ainda