Longa vida
Nasce uma menina,
Cujo riso é seu sobrenome
A ingenuidade é a sua irmã
E a criança que nunca cresceu
E ainda vive no tempo
Amante de queimada
Corria descalçada
Pela rua,
Entre pedras e barro batido
Entre desencontros e barrancos
Da mãe querendo se encontrar,
Cuidar do pai perdido
Que não parava em casa
Formou-se uma linda mulher
Os olhares voltados pra ela
Que nunca a enfeitiçaram
Vários amantes platônicos,
Poucos amigos
E nunca amou ninguém
Na idade da descoberta
Teve seu momento de glória
De adoração, fama e drama.
Casou-se com José Carlos
Que conheceu no subúrbio do Rio
A quem foi levada na bagagem
De bicicleta
Contornando críticas e preconceitos
Cabeludos
A música é sua paixão
Sua voz encantou a todos
No estúdio, no palco,
Nas ruas, estradas
Que levam de norte a sul do país
A cada vez que desligava o mundo
Traição, uma amizade falsa,
Destruiu o elo musical
Que carregava o seu dom natural
O Zé não se redimiu
Resolveu seguir outro caminho
Fizeram três filhos
As quatro razões de seu existir
Lançaram-se no escuro
Perderam tudo,
Lutaram contra a incerteza
Do pão que não sabia se vinha
Uma última ficha de telefone
Uma centelha de esperança
Uma passagem de trem
O Zé voltou a sorrir
Dinheiro jogado no ar
E alegria posto a mesa
Saíram da cidade Azar
Acolheram-se em Santo André
E suas vidas voltaram a prosperar
Todo fim do mês ela escutava
As histórias das viagens do marido
E testemunhava a saudade
Da inocência dos seus filhos
José cansou-se de viver
No meio da sujeira
Da podridão humana
Que sua profissão lhe deu
Fugiram pra Antonina
Uma cidade pequenina
Conheceram a felicidade
Diante dos meninos
Onde o perigo não existia
Os anos percorreram
Com a velocidade do som
Quando se viu, se vê um fio de barba
Do filho caçula
Já é domingo, temos que partir,
Um beijo mãe
No fim do mês eu volto.
Tardes vazias
E noites cheias de saudades
Lembranças vivas
Como se fossem hoje
Dias e dias
Semanas e meses
Sempre a mesma conversa
Filhos e futuro
Já que o presente a consome
Coração de mãe
Alma angelical
Companheira leal
Amiga e irmã...
Já se foram tantos
Tantos anos vivemos
Vivemos à espera do amanhã
De um dia mais perfeito
Tantas sextas-feiras
Quantos dias eu esperei
Alguém da família
Bater ao portão,
Provocando o latido dos cães...
Como ontem, como hoje,
Estou aqui, com os meus filhotes
E meu Nem
De rostos mudados
Porém os mesmos risos...
Presenciando minha Idade Nova
Há mais de meio século.
Daniel Pinheiro Lima Couto
04/05/06