A-manhã
O pó acabou querida, hoje não tem café.
Molhe o pão na água e coma aquilo que adormecido ficou.
O leite coalhou amor, nossas crianças famintas ainda não acordaram.
Ponha açúcar no prato e jogue um trocado, o ônibus chegou.
Não há dinheiro querida, a hora de ir se aproxima e o patrão me espera.
Hoje olhei o jornal amor, um emprego de balconista surgiu.
Faça a entrevista querida, que a fábrica importou tecnologia.
Meu vestido azul rasgou, amor, não tenho roupa para ir.
Peque o amarelo querida, que o tom não fará diferença.
Somos negros, amor, e a cor afugenta o branco que contratará.
Não diga isso querida, o café preto e o leite branco se misturam no copo para molhar o pão.
Isso é coisa de pobre amor, eles comem croissant e tomam suco de frutas.
Não se engane querida, se o copeiro não se avista lambem os dedos e comem as tripas.
Vá com Deus, amor, que nossos filhos esperam sua volta.
Não se esqueça querida que a fé não alimenta a barriga, mas evita que a gente morra de dor.
Solange Pereira Pinto
17.09.1999