A puta que pariu
A puta que pariu
Esqueceu-se
Em meio copo d’água sobre a mesa
Quando um choro estridente
Manhoso
Tirou-lhe a sede
Dando lhe só a certeza do dever de estar lá
Acudindo ao que chora
Ninando o que lhe pede
Sua coragem como alimento.
Esqueceu-se
Em desalinhados cabelos
Quando num banho rápido
Passou batido o condicionador
“Pois não há tempo para tal futilidade”
Atrasada para a reunião de pais
Folhinhas de papel rabiscadas
Valem mais que qualquer Monet.
Arte arquivada em envelope pardo
Revistada, sempre, a cada saudade.
Esqueceu-se
Em noites longas de ansiedade
Mal dormidas
“Coisas da idade”
Segurando cabeças
Nos primeiros porres.
Esqueceu-se
No tempo
No vento
Na vida que viveu
Por eles.
De tanto esquecer-se
Foi esquecida
Anos depois,
Em uma casa de repouso
Aguardando a visita que não vem
Lendo cartas antigas com fingidas saudades
Dos filhos dos filhos que pariu
Molhando o rosto com indagações irracionais
Pois, em nada errou a velha puta.
A não ser em amar demais.
Adriana Kairos