A puta que pariu

A puta que pariu

Esqueceu-se

Em meio copo d’água sobre a mesa

Quando um choro estridente

Manhoso

Tirou-lhe a sede

Dando lhe só a certeza do dever de estar lá

Acudindo ao que chora

Ninando o que lhe pede

Sua coragem como alimento.

Esqueceu-se

Em desalinhados cabelos

Quando num banho rápido

Passou batido o condicionador

“Pois não há tempo para tal futilidade”

Atrasada para a reunião de pais

Folhinhas de papel rabiscadas

Valem mais que qualquer Monet.

Arte arquivada em envelope pardo

Revistada, sempre, a cada saudade.

Esqueceu-se

Em noites longas de ansiedade

Mal dormidas

“Coisas da idade”

Segurando cabeças

Nos primeiros porres.

Esqueceu-se

No tempo

No vento

Na vida que viveu

Por eles.

De tanto esquecer-se

Foi esquecida

Anos depois,

Em uma casa de repouso

Aguardando a visita que não vem

Lendo cartas antigas com fingidas saudades

Dos filhos dos filhos que pariu

Molhando o rosto com indagações irracionais

Pois, em nada errou a velha puta.

A não ser em amar demais.

Adriana Kairos

Adriana Kairos
Enviado por Adriana Kairos em 08/01/2010
Código do texto: T2018164
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