TÉDIO (¹)

Nada me expira já, nada me vive –
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.


Há um mundo suspenso
E sem contornos,
Além da pausa onde exponho
Um bisonho desencanto,

Como se fora o breve respirar,
Em que sem ar o mundo sufocasse.
E nessa pausa, em vida apenas falsa,
Nada me expira já, nada me vive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.


Confinado nas brumas, sem recuo
Espalho a voz,
O canto que a memória
Deixa em notas, no vácuo ancestral.

Naquele espaço, dom dos não pensantes,
Cálido e vasto mar de insipidez,
Antes boiar, conforme ao nada extenso,
Como eu quisera, enfim de alma esquecida.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.


Por um momento, entre o antes
E o depois de agora,
Era pleno de sentido o
Chão, a relva espessa...

Porém, foi nas alturas que mantive
O olhar, o pensamento e a vontade.
E assim segui adiante firmemente;
Outrora imaginei escalar os céus.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!


Amar,foi mais que amar
A trilha do arco-íris,
E a boca, que beijei,
A mim correspondeu.

E quase não havia dentro ou fora;
Agora, como dantes, tudo estava
Ligado pela ponte que cruzei;
Parti. Mas logo regressei à dor.

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.


Sem bálsamo, sem lume
E sem certezas,
Não calo, dentro d’alma,
Voraz insensatez.

Persigo a cor do olhar imaginado
E, ao lado desse abismo, sem descanso
Perscruto as profundezas de mim mesmo,
Ecoando-me em silêncio, a noite escura.

E só me resta hoje uma alegria:
É que de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...


De um tempo de fausto e sonho,
Daquilo que era real
Escapam raios de sol
E pingos de chuva fresca...

Da sombra que ora espanto desta cena,
Emerge a poesia e o brilho doce,
Assim, escoa a voz ao meu ouvido
E só me resta hoje uma alegria.



(¹) POEMA EM NEGRITO:
    ALÉM-TÉDIO - Mário de Sá-Carneiro


 


Baseado em: DORSIMBRA

http://sol-magazine-projects.org/sol/poetryforms.htm

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