ALMA LAVADA.
ALMA LAVADA
Adianto a vida como quem adianta o salário do empregado.
O empregado fica sempre devendo trabalho
Eu fico com crédito e, devendo vida, sobra tempo em orvalho.
No tanque, com sabão e amor lavo alguns pecados imortais;
Na corda do tempo estendo meus lençóis suados e,
quando erro, passo a ferro sentimentos amorais.
Adianto o tempo no passo do frevo: degredo dos tormentos,
álibi que alivia a orgia de indormidas noites distantes de ti!
Bem-te-vi pára no ar e dá ré, enquanto bem-te-vejo:
realejo dolente me remetendo ao cais a favor da maré,
carregando à tiracolo promessas de amor por entre traças e naftalinas.
Que o adiantado da vida não atrase o encontro,
nem o confronto dos ontens aconteça...
Adianto a vida virando de ponta à cabeça o destino,
feito ampulheta que o tempo ignora,
meus desejos vão sozinhos,
qual flora sem passarinho,
enquanto mal te vejo no reveillon das horas...