Balada da moça que penteava os cabelos
Mal tinha Deus sepa-
rado a luz das trevas
e soprado no pulmão
de Adão a luz da vida
e a moça na flor dos
seus quartoze anos já
penteava vagarosa-
mente seus longos
cabelos na Rua Gen.
Marquês Cintrão de Oliva,
casa nº 45, defronte
à marcenaria de Pedro,
velho aposentado, que
tinha de seus apenas três
gatinhos e um canari-
nho feio, verde-oliva.
Quando estourou a Revo-
lução em 1930 e Vargas
assumiu a Presidência da
República, um comboio
armado tomou conta da Rua
Gen. Marquês Cintrão de Oliva.
Os três gatos de Pedro,
o marceneiro, ficaram
num alvoroço dos diabos,
miando efusivamente
o hino do Brasil. E o cana-
rinho, que recusou a se
juntar ao coro, foi devora-
do por alguém em pleno
meio-dia, mas isso ninguém
viu nem comentou.
E a moça, aquela que
penteava vagarosamente
seus longos cabelos, ficou
feia, velha e gorda
e morreu de pneumonia
quando o Gen. Costa e Silva decretou
o Ato Institucional nº 5.
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