[E Vão-se os Dias]
Tudo é incerto... talvez o esquecimento não me possa proteger de mim tanto quanto a memória dos dias que se foram... talvez... um enigma? Um paradoxo?
Num quintal da minha infância, ao entardecer, eu apanhava gravetos para acender o fogo no dia seguinte. Minhas mãos pequenas vasculhavam o quintal em busca de cascas secas e lascas de madeira sobrantes da última vinda do rachador de lenha. Minha obrigação de todos os dias... juntar gravetos, regar as plantas, cuidar da parreira de chuchu, tratar das galinhas, recolher os ovos - trabalhos mais leves que menino pobre sempre faz para ajudar em casa.
Sou erroso na vida, acho que tenho olhos de nem se ver, como o bezerro que assombra a entrada do Grande Sertão de Guimarães Rosa. De certo... pois hoje, abomino a paisagem, fujo das pessoas, e para ver melhor, com mais clareza, quando entardece, eu fecho os olhos... é assim que descortino mundos que poderiam ter sido meus, e eu não os adentrei. E nos meus entardeceres não tenho tarefas para me entreter e me fazer esquecer de que a vida é breve, e mata, só uma talagada de pinga é que arregla as coisas, assenta o espírito, corta o travo da garganta para o choro não desatar!
E vão-se os dias de hoje arrastando atrás de si a fieira dos dias de ontem - eu na ponta, ou rabeira deles, nem sei - apenas cerro os olhos, e penso... penso nos meus caminhos, nos meus erros... E sei que é a minha insatisfação, o meu fastio de sempre com a passagem da vida que me diz que tudo que fiz ontem deveria ter sido feito diferente - nada, nada me satisfaz! Uma vida inteira vivida além do meu quintal, e para quê? A vida é essa amargura de nunca, nunca saber, ao certo, o que fazer, que rumos... E tudo é a contrapelo... tudo resulta em algo que deveria ser outra coisa! É sempre, sempre outra coisa - a que eu quero, sempre... ou nem queria? Ah, como arde nos meus olhos a fumacinha daqueles gravetos!
[Penas do Desterro, 15 de dezembro de 2009]