Alma de Aluguel
Será preciso perder a alma para fazer samba ou poema?
Sim que em alegria tanto fazer tanta gente tenta
Mas se a lágrima que desce faz que vela se acenda,
Que vela o curso do rio caudaloso de cor, de tinta plena,
Será então preciso vender a alma para fazer samba ou poema?
Só quem chora sabe fazer sorrir
Só quem não mais sorri sabe fazer chorar
Pergunto a mim, a minha mão do meu deus, à melodia do samba, ao ritmo da pena]
Onde estão todos que me ouviram a voz levantar mas não me viram cair?
Será perdida a alma alegre, condenada à leveza sem lamento?
Sim que um samba pode ser de alegria, de riso ou dengo
Mas se é a breve tristeza no peito que faz o samba eterno e pleno
Que escreve a prosa eterna na música, clássica, cheia de acento
Será então danada a alma alegre, bem vestida, livre de tormento?
Só quem se desilude pode levar a gargalhar
Só quem não mais ri pode explicar o dissabor
Pergunto a ti, a Deus, ao lamento do samba, à galhofa da pena
Onde estão todos que me leram a alma despir mas não vieram meu rosto lavar?]
Se faz samba sem um bocado de tristeza?
Há verso sem um quê de melancolia?
Não, minha alma não está à venda
Mas muita vez a ponho para alugar
Da renda do sofrer, o sambista tira o pão do dia-a-dia
Do lucro do perder, o poeta alimenta a sua pira
De papel que queima rápido
Mas faz fumaça que não dispersa
Se proveito se tira de cada retalho de cada corte fundo
Que só cicatriza quando vira seu avesso
Mastigado, regurgitado, impresso e arranjado
Se ainda não se sabe
Se alma tem de ser queimada
Que seja então curtida
Maltratada, mas lavada
Alugada mas não vendida
E se alguém logra expor a alma em inteireza
Que nos ensine o bê-a-bá de tão bonita cantoria