Quando a poesia vai á fábrica...
Minha poesia despertou bem cedo,
antes mesmo dos primeiros raios do sol...
Embarcou sufocada em trem lotado,
chegou amarrotada, ofegante em desalinho,
ao parque industrial...
Ah! Minha poesia de tantas vivências...
Experiências... Irreverências...
Que já versou amores,
estancou prantos, suavizou dores...
Hoje vai à luta
conhecer a labuta do proletariado,
do trabalhador cansado... Assalariado...
Que é mutuário... Mora longe
e sonha em se aposentar...
Trabalhadores aos montes amontoam-se no pátio:
Bom dia! Bom dia! Zoeira... Falatório...
Até que soa no ar um apito
tão longo quanto melancólico...
A multidão dispersa e a poesia atenta,
testemunha diálogos...
Acanhados alguns... Exaltados outros...
Eterno embate capital trabalho...
Discute-se salário, inflação
hora extra, indexação, PIB,
alta dos preços, dívida externa, corrupção...
Que complicação esta tal economia...
Enquanto a poesia rabiscada
no amassado papel, adormece solitária
na estreita escuridão
do bolso do meu guarda-pó,
roncam as máquinas, é hora de trabalhar:
Até logo minha poesia!
Ao soar o quarto e último apito,
talvez o menos melancólico,
nos veremos outra vez...
E sob frenética e estridente revoada de pardais
em meio à multidão,
caminharemos ao frescor da tarde,
rabiscando contente o derradeiro verso
rumo á velha estação,
que nos acolherá impassível, como de costume,
para uma breve viagem de volta ao lar...