ASSOBIO DOS VENTOS
Um ventão uiva na janela,
Perpassa as fendas...
Carrega as folhas,
Assobia e arrepia.
Levanta a sombrinha e as saias.
Encrespa as águas do lago,
Deslizam galhos ladeira abaixo...
Meus pés que nada os esquenta,
Sentem o gelo que chegou à terra.
Uma brisa me avisa: lá fora, zero grau.
No frio chão de pedra,
Seu Zé pôs sua cama:
Cobertor, gorro e meias e,
Claro!...papelão!
Um monte de jornais o encobre,
E a pinga o deixa aquecido.
Um pedaço de lã, ele juntou,
Uma lata de moedinhas e
Um pires com farinha...
Sem saber se os seus um dia o acharão.
Um açoite corta o ar...
Vergam-se os bambus.
Temo que tudo se estilhace.
Meu ser se inquieta...
Me encho de letrinhas e livros.
Vou até a avenida e volto.
A garoa me desencoraja...
Me aqueço com chás e bules de café,
Faço uma sopa quente de cebola e alho
E, enroscada em echarpes me encolho no sofá.
Renovo o apelo,
Tiritando ao vento,
Vamos pro abrigo, seu Zé?
Lá dentro, tem pão quentinho,
Janelas, teto e umas luzinhas.
Também tem seus companheiros,
Dos túneis, das avenidas,
Dos canteiros, das calçadas.
Dona, deixa eu com os meus trecos,
Madama,...lá não tem pinga, não!
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Poesia dedicada a um pobre mendigo - excerto do romance 'O Último Gerente' - lançado em 2004.