fuga de mim
olha
não volto aqui tão cedo
vou dar uma fugida
vou ganhar o mundo
vou cair na vida
sair por aí...
sozinho
seguir por qualquer caminho
que me leve a qualquer lugar
deixo um adeus provisório
saio de um jeito insensato
deixo um poema sensório
e chato
escrito no espelho
puro teatro
deixo tudo que conquistei
que não me vale de nada
levo as madrugadas
os amanheceres
o mar
os prazeres
deixo o trabalho
e os afezeres
minha insonia ficou pelo quarto
deixo o meu retrato
pra lembrarem de mim
levo meu fogo brando
um par de sapatos
e os nós que eu tinha
me apertando
hoje eu desato
me liberto
deixo pra tras esse deserto
que já foi um jardim
mas secou
quando as chuvas cessaram
deixo as lágrimas
que me escorriam no rosto
levo uma camisa surrada
pra não deixar o meu peito exposto
pra me guardar do frio
vou com a roupa do corpo
a barba por fazer
deixo o conforto
e mais o que fazer
deixo as janelas fechadas
e uma luz acesa
para se alguem entrar na casa
não tropeçar na tristeza
para enxergar minha falta
deixo a TV ligada
bem alta
para esconder o silencio sombrio
que me causava tanto medo e arrepio
deixo algum dinheiro guardado
que sirva pra pagar nas contas
deixo a chave debaixo da porta
a louça lavada
a comida pronta
a casa mais ou menos arrumada
a cama feita
as promessas desfeitas
não importa
alguem deve sentir falta de mim
mas com o tempo
tudo se ajeita
deixo restos de um velho amor
dormindo
quase em coma
que não me causa mais sintomas
deixo minhas lembranças
nas fotografias amareladas
nas poesias rasgadas
coisas de adulto
coisas de criança
deixo raiva e revolta
mas quem sabe
essa noite passa
minha cabeça se tranquilize
meu pensamento se refaça
eu perca esse medo
e amanhã de manhã
bem cedo
esteja de volta