A Pantera.

A Augusto dos Anjos e Rilke.

São dois silêncios misteriosamente

Dispersos como pausas numa voz;

A besta pasta no verso feroz

Enquanto a presa, sem pressa, pressente.

Pantera algoz, fatal: morte silente;

A língua fere e trava atando os nós

Impera a fera num salto veloz:

Palavras, vísceras, miseravelmente.

A morte dança a vida sensual

Sussurra o signo sem qualquer sentido,

Cogita o risco arrisca o irreal

Encontra o rumo mesmo que perdido

Busca no bem que funde-se no mal

Confuso som que se dobra no ouvido.

“Ensaio sobre Poética: Escrito para edificação e para a instrução dos pretensos poetas” (s.d.), comenta: “Espero escapar ao ridículo universal ao afirmar que, teoricamente, a poesia é susceptível de escansão. Gostaria, porém, que ficasse claro que concordo com o Sr. A. B. quando afirma que a escansão estrita não é de todo necessária para o sucesso e mesmo para o mérito de uma composição poética. E creio não parecer excessivamente pedante se procurar no armazém do Tempo, para citar como autoridade, algumas das obras de um certo William Shakespeare ou Shakspere que viveu há alguns séculos e que desfrutava de alguma reputação como dramaturgo. Esta pessoa tinha por hábito cortar, ou acrescentar, uma ou mais sílabas nos versos das suas numerosas produções, e se era inteiramente permitido naquela época de beleza quebrar as regras do bom senso artístico e imitar algum obscuro escriba, ousarei recomendar ao principiante o prazer desta liberdade poética.” (Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa, trad. de Luísa Medeiros [Atribuído inicialmente ao Dr. Pancrácio], Teresa Rita Lopes, Estampa, Lisboa, 1990).