Segunda-Feira
Embalei a vida
em papel de presente
com laço e fita
e com tal dote,
acreditando em tal mote,
pediria à moça que ficasse comigo.
Mas nas voltas do Mundo
esqueci de entregar a prenda
e aos poucos fui gastando
a Vida, sem cuidado.
E sem pensar que tudo acabaria,
quando menos se pensaria.
Agora eu sou o homem alquebrado,
que mesmo em movimento
está sempre parado
qual lago inoportuno,
ou tolo gatuno
que já nem rouba
o que lhe falta e noutros sobra,
pois a mão ficou inerte,
sem valia que preste,
sem serventia que reste.
Às vezes requento a quentura
e finjo ternura
onde se diz qualquer jura,
aonde fica o gozo que se procura
e o diamante que se esconde
nas curvas de nem sei onde.
Porém a música insiste no acorde,
embora dele discorde.
Todavia, nada se pode
contra esse vento que tudo sacode
nos piores momentos
das fúrias dos elementos,
como diriam os afáveis sargentos,
para quem só fala gíria
o filho da Dona Maria
que é casada com o Jó da Padaria
e é amante do Rê da boemia.
E tudo gira no caleidoscópio,
que Giza usa como estestocópio,
quando se põe a dizer circunlóquio
sobre a situação premente
do novo doente.
E roda a Lusitana*
na terra de Pindorama.
Aqui se trabalha na cama
enquanto estiver acesa a velha chama,
ou alguma outra que me chama,
junto do créduto que clama
e do repentista que reclama
contra a água que se derrama
nesse País de vida Severa,
de vida Austera,
que nenhum novo rei altera.
Coisa de Domingo à tarde,
de preguiça quase covarde
e de absoluta falta de vontade.
Pura verdade, amigo leitor,
que tem ao lado o tipo faceiro"
que lhe olha como celerado
e come o travesseiro
enquanto espera a ceia do Carneiro,
com apetite redobrado.
Mas isso passa.
Logo será Janeiro
e um outro ano inteiro,
para que nos emendemos de nossas faltas,
de nossas músicas altas
e do bendito gosto pelas Sonatas.
Pois tudo isso é coisa de pobre
metido a esnobe;
petulante,
arrogante
e parecido com o "Tinhoso" de Dante**,
que ante tal baixaria
pegará sua Beatriz
e da bala perdida escapará por um triz,
mas não da praga da Pomba Gira
que o amaldiçoa em puro Nagô,
lingua de Xangô.
Trovas de brincadeira,
só para espantar a pasmaceira
dessa vida sem eira nem beira
e, pior, véspera de segunda-feira.
* Referência a antigos textos publicitários.
** Referência a Dante Alighieri.