Miniepopéia do Silêncio

(...) bebi-lhe a voz nestes ouvidos.

(Virgílio, Eneida, IV, 395).

No começo, só ele que reinava,

Era o senhor maior do nada e tudo.

O que não precisava dos escudos.

Que forte, nem de espada precisava.

Num tempo em que a existência foi o nada,

E nem a humanidade era formada.

Depois nos vem o Tempo, ele se empesta,

Fazendo do Homem tudo ser errado,

Esquecendo o Silêncio já de lado.

Até hoje, o que chamam mundo é festa.

Ele morreu e a vida nos nasceu,

Pela vida de todos que morreu.

O que diabos então se pretende

Com o barulho assim sempre dobrado?

Como há de se livrar este coitado?

Como o pobre sozinho será gente?

A cidade é um monstro. As putarias,

A vida, gigantesca porcaria.

A loucura é a insânia dos instantes,

E contra eles lutar ninguém se atreve.

Ir pra o inferno quem quer consciente deve,

E a humanidade irá, em sonho delirante.

E nas cidades todas há só guerra,

Só barulho há na escrota desta terra!

Pobre, por si perderam o respeito,

E plantaram no peito seus enganos.

Construíram todos burros estes danos,

Donde ninguém sequer tira proveito.

Vive no escuro, sujo e abandonado,

Vendo todos viverem enganados.

Porém, como será atemporal,

Talvez livre, piedoso, os desgraçados:

Povos, a multidão, os alienados.

Só não libertará todos do mal,

Mas lhes concederá a vida nova

No abandono, pra sempre, de uma cova.

Ranieri Basílio
Enviado por Ranieri Basílio em 26/11/2009
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