DORME, PANDORA...

Peito fechado há tempos

Lacrado misteriosamente

Guardando vãs memórias

De lamentos, angústias,

Medos, frustrações, dores

Pétalas de flores mortas

Cicatriz orvalhando papel

Partidas insensatas; solidão

Chegadas inexatas, impacto

Um acúmulo de tudo e nada

Um bolo nodoso e ácido

Contido no vácuo da alma

Peito fechado há tempos

Invólucro até então intocado

Vem o tempo num sopro forte

Cutucando a tranca da memória

Acorda Pandora que, irritada,

Abre sua caixa e convida à vida

Todas as mazelas contidas em mim...

Sem saída, deixo-me estar ao lado

Do velho tempo - algoz ou mestre?-

Ouço sua voz impactante, estridente

Que invade - o som - a caixa já vazia

Meu peito, ainda assustado e frágil,

Sorve a curtos goles o lauto banquete

Oferecido pelo tempo - mestre ou algoz?-

Nutre a alma que preenche o vácuo

Retirando a nódoa de ressentimentos

Há tantos e tantos ontens impregnada

Peito fechado há tanto tempo

Refeito pelo tempo: como efeito

Desfaz-se das tantas vãs memórias...

Pandora, dorme...Dorme, Pandora...

(Lena Ferreira)