ALMA DO AVESSO
Talvez eu pudesse ou devesse,
ao invés desta que agora sou,
ser outra pessoa,
alguém que ainda sonhasse,
mas que pouco ou nada almejasse.
Alguém que pensasse pouco,
vivesse apenas na superfície
e jamais espiasse pelas frestas,
que jamais desvendasse segredos,
que não tivesse os olhos atentos,
que tivesse o raciocínio lento,
que não soubesse juntar as peças
dos quebra-cabeças da vida,
para jamais se surpreender
com as imagens formadas por elas...
Alguém que não entendesse os sinais
da falsidade e da mentira,
que então, por isso fosse
incapaz de sentir raiva,
mágoa, imensa ira,
como sente esta que agora sou,
que por ter inteligência e discernimento,
arrancou o véu que ocultava as trevas
que se diziam chamar Amor...
Mas era só um arremedo mal-feito
desse nobre sentimento,
e que, no entanto,
enquanto me cativava,
aos poucos me envenenava
matando de vez minha alegria...
Talvez eu devesse criar
uma outra personagem,
sorridente e tola,
crédula e obtusa...
inocente como quem acredita no amor!
Talvez eu até fosse feliz...quem sabe...
Mas antes, preciso aprender
a virar minha alma do avesso.