Úmida Camélia
Acontece que me canso
e por vezes padeço por causa de ti.
Acontece que tu me surges sempre assim
como um trem
um trem sempre a partir
com braços acenando lentos lenços melancólicos pelas janelas.
Porque não me acolhe nos teus vagões
porque não me salva desse frio, porque me surges sempre assim: como a vaga fumaça que passa?
Acontece que teu líquido ser tem qualquer coisa como o crepúsculo
que vi se escapando pela minha janela
repousando nua no vasto horizonte.
Teu espírito, na virtude de tuas pernas tão espertas,
sempre me escapa
sempre
como árvores se esquivando
descabeladas
de meus tristes ventos que te procuram
exasperados.
Queria que surgisse em meu caminho
não como o crepúsculo que escorre luzes
ou como aquele sórdido trem que vi partindo
na estação à noite.
Nem como árvores, nem nada. Não.
Queria só que me surgisses simplesmente
sem destino,
e te repousasses quieta, muito quieta,
e ficasses a dois palmos da terra
esquecendo as horas que passam,
projetando tuas sombras
sobre minha inquietação noturna.
Queria-te apenas flor:
úmida camélia. E nada mais.
***