[À Solta na Tarde]
[Pensamenteando à mesa do bar...]
A calmaria das ruas no entardecer
enlanguesce o meu espírito.
Enquanto dirijo meu carro calmamente,
noto que os transeuntes não têm pressa,
parecem sintonizados com o crepúsculo...
mas eu, se não me sentisse tão infeliz,
talvez tivesse pressa de chegar...
Essa vontade de chorar,
esse nó na garganta —
será a vida revirada;
a casa sem ela;
o trabalho sem nexo?
Estaciono o carro para ver melhor o mundo —
a mesa do bar é um excelente observatório!
eu penso: será apenas loucura, ciclotimia,
descompreensão da necessidade da dor,
esquecimento de como acompanhar féretros?
Mais um dia... sim, mais um dia
a esperar o trabalho dos vermes
dar cabo do que resta de mim!
Toco-me; sinto o pulso — estou vivo;
mas neste instante, abro outra janela e vejo:
o féretro de mim passa em frente ao bar...
Será que há tanta gente assim, como eu,
invingado dos tombos da vida,
carregando o fardo das velhas perdas,
à solta por aí?! Eu trescalo doença...
estar comigo é um perigo...
[Penas do Desterro, 21 de novembro de 2005]
Caderninho das Cidades Mortas, p. 30