1- Eu vivo

Acordo
Mais uma vez vivo
Primeiro não sei quem sou
Depois não sei onde estou
Eu acordo e vou
Nas ondas da vida
Nas velas do tempo
Um vento que passa
Enquanto eu vivo
Passando com ele
Tudo o que não passa nunca
Uma dor no peito
Um sorriso desfeito
Um desamor perfeito
Lágrima brotada de dentro
Da solidão, tristeza e silêncio
Eu vivo o que não passa
Deixando passar o que vivo
E o que não vivo eu sonho
Ou ponho na imaginação
Numa noite em que não durmo
E só me refugio na mediocridade
De ser só e ser triste e não dormir
À espera de um outro amanhecer
Em que vou acordar (terrível certeza)
Mais uma vez
Vivo
Para deleite do tempo que me devora
Vou acordar vivo
Sem saber quem sou
Sem perceber o que passa
Porque o que passa
Se não mata
Machuca
Aos poucos
Como quando acordo
Mais uma vez vivo
Para deleite do tempo


2 – Eu passo

Eu passo pela vida
Como uma sombra
Pálida e triste
Como se fosse a escuridão
Na luz dos dias
Passo pelos momentos
Silencioso
Como o esqucimento
Eu passo incólume
Despercebido
Desconhecido
Desfalecido
Como se não tivesse amanhecido
Ou como se nada tivesse acontecido
Durante a vida inteira
Eu simplesmente passo
Como se não tivesse nascido
Eu passo perto de você
E tão longe de mim
Como se eu viesse de outro planeta
Não vejo quem não me vê
Então eu não vejo ninguém
Passo contando as horas
Intermináveis
Insuportáveis
De dores assim
Tão confortáveis
E são dias que não acabam
Numa vida que não termina
Eu passo pelas vidas alheias
Eu busca de uma vida minha
E também não me vejo
Não me encontro em olhos outros
E nem existo em nenhuma memória
Nem ao menos na sua
Que nada esquece
A eternidade e o tempo
O mundo e o universo
A vida e a morte
A realidade e a verdade
O amor e a esperança
A felicidade
Permanecem
Eu passo


3- Eu sinto

Todas as sensações do mundo
Eu num momento sinto
As dores e as tristezas
O medo e a apatia
A certeza de minhas incertezas
A terrível angústia de não ser
O sofrimento de viver
E não se satisfazer
Sinto saudades
Menos do que tive
Do que tudo que não tive
Medo do que não fui
Eu sinto o vazio do que me preenche
A morte correr-me pelas veias
Eu sinto o cheiro do vazio no ar
Anunciando que a solidão vai durar
Até o fim do fim da vida
Até não haver mais o que sentir
Até não haver mais nada
Nada além de um rosto
Atrás de uma lágrima no espelho
Ou de um vulto na sacada
À procura de silêncio
Ou de algo ainda mais quieto
Sinto que a palavra não sai
Nem a noite não cai
E essa vida não vai
Muito além dessa estrada
Que me trouxe do nada
Para o meio de nada
Sinto que o grito engasga
E que o passo não vai
No caminho que se entrelaça
Em mil atalhos de mim mesmo
Eu sinto que o amor não nasce
Nem vai nascer mais
No terreno pedregoso
No medo tenebroso
De atravessar mais uma madrugada
Fazendo do sonho só mais uma estrada
Que me arrebata da vida
E me salva desses momentos
Me devolve à eternidade
Do tempo que me devora
Enquanto eu não sinto nada


4- Eu faço

Eu faço o possível
E o impossível
Para não querer de volta
Tudo o que não tenho mais
Eu faço de tudo
Para esquecer simplesmente
Tudo o que não me sai da mente
Eu faço meu futuro
Com as migalhas do passado
E com os cacos do que fui
Eu faço da vida um inferno
Não sei mais ser feliz
Eu faço o que quiserem
Desde que não me peçam para decidir
Eu faço o que for preciso
Para não quebrarem meu silêncio
Nem tirarem minhas máscaras
Nem na hora certa, muito menos na inoportuna
Eu faço o que estiver ao alcance
Para não libertar minhas palavras
Eu guardo meus monstros
Cuido de meus fantasmas
Prendo todos os bichos
Ponho meus eus de castigo
Acabo com todas as pragas
Por um momento de paz
Para descansar no inferno
Onde tudo o que se faz
Nem vale a pena
Eu faço da vida um deserto
Para atravessar sozinho
E não ter ninguém por perto
E me perder sem ajuda de ninguém
Eu só não sei o que faço
Quando tudo o que evito
É tudo o que dói
Quando o que dói é evitar
E quando o que dói eu sei
É solidão


5- Eu minto

Eu minto quando se trata de mentir
Ocultar as verdades das coisas que tenho que sentir
Verdades ao avesso do que me faz parecer tão feliz
E o tempo todo cheio de esperança
Eu minto essa força, essa coragem
E esse excesso de confiança
E essa luta árdua todo santo dia
Eu minto até essa vontade de viver
E de seguir em frente
Eu minto para não sofrer
Por não saber mentir minto impunemente
O sorriso e a alegria
A tranqüilidade e essa calmaria
A abjeta impassividade
São tudo mentira que não levo para casa
Mas que carrego a pasmar por esse mundo
O meu oposto anda exposto
E se o escondesse eu mentiria
A fazer pensarem que sou outro
Que não este que realmente não sou
Eu mesmo não sei e nem sei se quero saber
Sobre ser o que se é e não ser o que não se é
Se me pergunto e é sobre mim
Se busco saber o que sou
Descobrir quem é este eu que existe
As respostas não satisfazem
Nenhuma ciência esclarece
Nenhuma verdade resiste
Nada em mim a mim conhece
Toda pergunta desmaterializa
Porque o que me perguntam não sou
Não sou o que se responde
O que se pensa
Sou o que minto
Apenas isso sou
O ser que minto
O que minto ser


6- Eu sofro

Eu sofro o que eu não digo
E quando digo não é o que sofro
Sofro esses dias passarem insólitos
E essas horas modorrentas
De uma pasmaceira que chamam vida
Eu sofro essa luz que não me ilumina
Essa paz que não me abrange
Eu sofro a vida que não me contém
E cada palavra que engasga
No meio de tudo o que não posso dizer
Nem daqui a mil anos
Eu amo você...
E sofro amar você tanto assim
Um amor que nada me dá
E tudo me toma, até o que não tenho
Que me faz esquecer de mim
Eu sofro os olhos tristes
De todas as pessoas
E os desencontros, seus desencantos
Sua angústia e seu silêncio
Seu entregar-se aos prantos
À melancolia de sua solidão
Eu sofro não dar mais nenhum passo
Não ter quem tomar pela mão
Prostrar-me, preferir ficar no chão
Eu sofro a sorte de ser tranqüilo
De não me entregar ao desespero
Mesmo diante da perda de tudo
De tudo o que quero que deixo de querer
Eu sofro sonhar alguma esperança, vã
E a dor terrível de um sorriso que disfarce a tristeza
O medo do próximo passo que leva ao nada
De onde vim
Eu sofro caminhar para o fim
Ou acreditar em melhores dias
E atravessar as madrugadas
À espera da última aurora
Eu sofro a cama revirada
A mente aprisionada
Num passado que nunca acaba
Eu sofro não andar para frente
Eu sofro amar você tanto assim


7. Eu penso

Eu penso que a vida é um conto de fadas
E eu sou o herói que salva você do perigo
Mesmo quando é você que o busca e quer
E eu salvo você mesmo contra sua vontade
Porque hoje dia onde estão as fadas?
E os heróis e aqueles perigos?
Eu penso que tudo não passa de um sonho
Essa vontade de gritar, de sumir
Esse ódio das coisas pequenas
Esse medo de tudo que é efêmero
Medo de tudo acabar
Como sempre acaba (então por que o medo?)
Esse sentimento sobre tudo o que passa
E acaba e não volta mais
Tudo isso eu penso que é ilusão
Ilusão de tudo o que eu penso
Esse cansaço de existir
Esse asco de viver
Essa preguiça de amanhecer
Essa vontade de não caminhar
Eu penso que é uma quimera
Essa raiva por não dizer o que era
Tudo aquilo que sei que vou esquecer
Essa incapacidade de tudo ver
Bem antes de acontecer
Essa ironia de tudo saber
Somente quando começa a doer
Eu penso que é só imaginação
O que me bota do outro lado do espelho
O que me leva para o lado de dentro
De tudo o que está fora de mim
O que me tumultua os pensamentos
O que eclode em inspiração
Tudo o que sai
Sem que eu queira
Tudo o que existe
Sem que eu perceba
Ainda que eu pense
Convencido
Que seja criação minha


8- Eu esqueço

Eu esqueço que vivo
E que a contragosto amanheço
E ponho o pé na estrada
Para ir a lugar nenhum
E que abro os olhos para ver
O que cega e machuca
O que me faz sofrer
O que não conheço
O que nunca vou saber
Eu esqueço
Esqueço que a dor existe
E o quanto estou sozinho
O quanto sou triste
Esqueço essa a dor a doer
Bem fundo no peito
Esqueço de esquecer
Que mal de amor não tem jeito
Esqueço de não esquecer
Que mal de amor feito é perfeito
E que dura tanto sofrer
O que dói eternamente
Esqueço de mim mesmo
Esqueço de existir
Quando ando à esmo
Sem ter o que sentir
No coração ermo
Um deserto no peito
E na alma um inferno
Esqueço de mentir
Eu esqueço de falar
Se estou sempre a sorrir
Sem saber o que trago dentro
É porque não esqueço de fingir
Saudade e dor imensa
Um vazio sentimento
Um absurdo esquecimento


9- Eu visto

Eu visto qualquer coisa
O que queres que eu seja
E ando nu de coisas minhas
Despido de minhas vontades
Eu visto cada palavra
Carapuças
Com que me ofendes
Eu me cubro com o sentimento
Com o qual me odeias
E visto a insignificância
Com a qual me vês
E me desprezas
Visto tudo o que me cabe
Tudo o que me dão
Tudo o que sobra
Eu visto tua obra
Eu visto teus andrajos
Para andares bem vestida
De teus tão nobres sentimentos
Eu me dispo de minhas honras
E de qualquer conforto
Eu me visto de morto
Para andares de cabeça erguida
E seguires tua vida
Sem perigos nem remorsos
Eu me visto de palhaço
Se for preciso até acho graça
Faço da vida um circo
Para não veres a desgraça
E para não sentires o que sinto
Eu visto toda a culpa
Eu visto todos os erros
Mesmo que não me sirvam
Eu visto como se fossem meus
Mesmo que não me caiam bem
Eu visto os que são meus
E visto até os teus
E os de qualquer um
Também


10- Eu fujo

Eu fujo sem razão
Da razão de fugir
Quando mal cheguei
Tudo que sei é partir
Há um lugar que não encontro
Que é para onde sempre tenho que ir
Para não me encontrar de vez
Eu fujo para me perder
E para não ser
O que ser me faz fugir
Eu fujo para não entender
Que a vida é triste
E que a tristeza é viva
Fujo do que nunca vou saber
Que a felicidade não existe
Que nenhum amor resiste
A um pouco de desilusão
Eu fujo de todos os medos
Por medo deles
Fujo de mim mesmo
Para me encontrar tão só
E distante
Num lugar que nunca encontro
Para onde sempre tenho que ir
Fujo das noites silenciosas
E das madrugadas vazias
Fujo das horas do dia
Do alcance das pessoas
Eu fujo para o alto de um monte
Eu ponho meus olhos no horizonte
Eu só vejo tudo de longe
Só percebo tudo de cima
Eu só enxergo horizontes
Eu vôo sem razão
Porque não há razão em voar
Então eu fico de longe
Debruçado na sacada
A noite inteira
A sonhar


11- Eu dispo

Eu dispo
A face das máscaras
A boca das palavras
A mente das idéias
O peito de amores
Os olhos das cores
A mão dos tremores
A vontade das dores
Os pés dos passos
Os braços dos abraços
A alma da sede
A noite de sonhos
A vida dos laços
Os dias dos afazeres
As horas de ocupação
O andar de direção
O desejo das lembranças
A fé das esperanças
O saber da razão
O sentir de explicação
O querer da força
O buscar da ambição
A noite das estrelas
O sonho da paixão
A realidade do silêncio
A verdade da afirmação
A alma do corpo
O ser da existência
O outro no espelho
Eu me dispo dos conceitos
Eu dispo a última máscara
E então estou nu


12- Eu busco

Eu busco
Tudo o que se desfez
E não se refaz
Tudo o que se foi
E não volta mais
Eu busco inutilmente
O que perdi eternamente
Alguma essência indivisível
De meu ser invisível
A dor de ter novamente
Uma dor plausível
De um amor possível
Que nunca acontece
(Por que aconteceria?)
Nessa busca errante
De um futuro incerto
Por tudo que vem antes
E muito antes acaba
Antes de o futuro chegar
Eu busco minha sombra
Presa ao passado
Onde fui feliz
(Onde fui feliz?)
Mas passou por mim
Outra sombra que se foi
E se desfez e não se refaz
E nunca volta mais
Então eu busco no que fui
(Se é que algo fui...)
A força da esperança
A luz de um sorriso
A vontade de caminhar
A coragem de viver
A capacidade de sonhar
A alegria de cantar
A ousadia de querer
A teimosia de amar
E a tolice de buscar


13- Eu perco

Eu perco
Meu lugar no espaço
Meu ser no tempo
O saber no esquecimento
O sentir no sofrimento
Os sonhos no silêncio
O querer na hesitação
A força no cansaço
A vontade na prostração
Eu perco você no abraço
A lembrança de um beijo
Eu perco amor no desejo
E a paz no medo
De estar só no espaço
Entre eu e eu mesmo
E vazio no tempo
Que levo entre o grito
E ouvir o grito no escuro
Eu perco a estrada
De passos meus não marcada
Meu ser no espaço
Um lugar no tempo
Eu perco o sono na noite
Perseguindo um pensamento
Que me conforte
Ou me faça forte
Que me dê um norte
Que me traga a morte
Ou uma outra vida
Que eu perco na eternidade
Um lugar como um conceito
Numa verdade
Um ser na realidade
Que exista substância
No espaço e no tempo
Existir
Exatamente
Tudo o que perco


14- Eu fico

Eu fico
Você vai
Todos passam
Todos vão
Tudo passa
Tudo vai
Tudo acaba
Andando para o fim
Caminhando para o nada
Inevitavelmente
Enquanto eu fico
Você muda
Sua vida muda
Tudo muda
Todos mudam
Todos andam
Atrás de dias melhores
Todos ousam
Tudo causa
Todos correm
Tudo ocorre
Tudo nasce
Tudo vive
E tudo morre
Eu fico
Absoluto
E só
Imoto
Ignoto
Estático
Impassível
Imutável
Impermeável
Enquanto tudo passa
E nasce e vive
E morre
Eu fico


15- Eu sei

Eu sei
O eu diz o silêncio da madrugada
O quanto dó essa dor dentro do peito
Como me perder em toda estrada
Como é não ter o que foi desfeito
Como é não ver o rosto da bem amada
Que já não se ama tão bem
Eu sei, tudo isso eu sei
Como quem sabe o dia da própria morte
Eu sei o que são noites em claro
O que é um medo profundo
Uma dor que angustia
O medo da solidão
O que é a fome de amar
A sede de viver
E a vontade de morrer
Querer um outro mundo
Não ver a luz de outro dia
Sentir-se perdido na imensidão
Eu sei o que vai acontecer
Quando outra vez amanhecer
Mesmo que eu não queira
Ainda que eu não saiba
Ou nem me importe
Ainda que eu não entenda
Como eu vou viver
O resto da minha vida ineira
E eu sei que vou saber
O que diz o silêncio
E o quanto vai doer
Essa madrugada dentro do peito
Essa dor dentro da vida
Mais esse passo na estrada
Que eu sei
Levar-me a nada


16- Eu vou

Eu vou
Ao sabor do vento
Levo a vida
À deriva
Como quem não vive
Naufraga
Eu vou
Para bem longe
Para dentro
De tanto nada
Como quem não existe
Vegeta
Eu vou
Para além do inferno
Desses momentos
Monumentos de minha dor
Como quem não tem salvação
E purga
Eu vou
Para o fundo do poço
Dos sentimentos
E pesadelos de amores
Como quem não ama
Se ilude
Eu vou
Perdendo tudo o que tive
E tudo que pude viver
Como quem não atina
Enlouquece
Largando tudo
Pelo caminho
Como quem esquece
E morre
E vai
Não volta
Eu vou


17- Eu calo

Eu calo
A palavra mais dura
A dor mais funda
A lembrança mais triste
A saudade latente
A verdade mais pura
A paixão profunda
O desejo renitente
A felicidade inexistente
Eu calo a vida inteira
E mais um pouco
Eu calo
Esse sentimento louco
Que os poetas chamam amor
Por todos
Por ninguém
Por tudo
E por nada
Eu calo
A solidão insolúvel
A tristeza interminável
E crio o silêncio
Insuportável
Que me mantém
Dono de minhas palavras
De todas as palavras
Com as quais não descrevo
Nem um átomo do que sinto
Tudo o que nem vira pensamento
E se perde no tempo
Porque calo
E o que e diria se não calasse?
Não sei
Só sei que calar
É não sentir
A vida
E nada ao redor
Do que dói
Na vida


18- Eu sou

Eu sou
Um estranho no ninho
Um vivo entre os mortos
Um desperto entre os que dormem
Um ser que sofre a consciência
De estar vivo
Diante dos que preferem a ilusão
A ilusão da felicidade
Eu sou alguém que não nasceu
Que veio não sei de onde
Trazido ao lugar errado
Na época errada
Eu sou
A mesma cara no ninho
Um morto que anda entre os vivos
Um adormecido a sonhar entre os despertos
Um ser que sofre toda a ilusão
Da verdade
Da realidade
Da felicidade
Para reprimir toda e qualquer consciência
A de amanhecer
A de sonhar
A de viver
E a ilusão de ser feliz
Eu sou o que não sou
O que sou está entre mim e o espelho
A fuga perfeita de opostos
A repulsa do olhar para si
Os desencontros
E os desencantos
Um nada aos cantos
A vida desfeita de desfechos
O futuro de esperanças infecundo
O sentimento estéril de lembranças
Os passos tortuosos de caminhos perigosos
Sou o grito impotente de noites silenciosas
E o vazio pleno de pensamentos
Em madrugadas insuportáveis
Sou a última imagem que perdura
Quando surge o esquecimento


19- Eu falo

Eu falo
A língua dos dementes
Dos tristes apaixonados
Dos desenganados
Falo a língua das gentes
Que andejam sobre a terra
Em busca de uma sombra
Onde morrer em paz
Ou abrigo da tempestade
Onde pelo menos desejar
Morrer à míngua
Sem esperança e sem fé
Sem caridade, sem nada!
Eu falo a língua dos sem vida
De toda a humanidade zumbi
Que sufoca o grito de medo
Que aplaca a ira
De qualquer reação aceitável
Perder o nada que têm a perder
Falo a língua dos desvalidos
Dos pobres desgraçados
Dos esquecidos por nossa História
Dos sem história
E entendo a língua que falam
Entendo seus disformes rostos
Humanidade torpe
Fraca e covarde
Raça de víboras
Semeadores de ódio
E violência
Desmedidos, incontidos
Que falam uma língua
Que eu não entendo
Porque não falo a língua
De sua língua do mal


20- Eu acabo

Eu acabo
Como acaba o amor
Ou a paixão
A vida
A ilusão
As horas do dia
A inspiração
A paz
A fome e o sono
E a alegria
Eu acabo
Como acaba o riso
A felicidade
A euforia da juventude
E os nossos sonhos mais lindos
Eu acabo de vez
Como acaba o fôlego
A força e a coragem
Eu acabo à margem
Como acaba a vontade de viver
Como acabam os sentimentos
E a capacidade de crer
Sem nada para pôr no lugar
Eu acabo
No fim de minha fé
Na solidão de meus dias
Na tristeza do coração
No vazio de minhas noites
No silêncio das madrugadas
E de minhas palavras
Na dor do pensamento
Eu me acabo
Levado pelo vento
Nas ruas e nas calçadas
Nesse triste caminhar
Nessa estrada
Chamada esquecimento
Eu acabo como acaba um poema
Quando não se tem mais nada a dizer 
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 16/11/2009
Reeditado em 28/08/2021
Código do texto: T1925892
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.