CANIÇO

Acabaram-se todos os recursos

Falharam todas as tentativas

Diante da força de um vulcão

E tudo é provável

Aceitável

Inadiável

Não há como resistir a essa torrente

A esse corpo e alma frementes

A esse beijo de loucura

A esses torpor e tontura

Sabe aquela ânsia que sente um náufrago

Um moribundo

Sabe aquele sufoco que sente um enforcado

A fome de um miserável

A agonia de um condenado

Sabe aquela vontade de estar

De falar

Ouvir

Tagarelar

Mandar beijos

Rir

Brigar

Xingar

Não me demonstre sofrimento

Não, não faça isso

Pois sou vulnerável

Frágil feito um caniço

Sabe aquilo que sente um órfão

Sabe a dor da morte

E tudo misturado

E tudo quente

E nada serve

Ou tem sentido

E coisa alguma faz vibrar os seus ouvidos ou

Perceber vivos os seus sentidos

Sabe um fogo interminável

Uma vontade de dizer sem ter palavras

Uma vontade de gritar sem ter mais gritos

Todos sufocados

Um engasgamento sem lágrimas

Uma vida sem motivo

Sabe de tudo isto e muito

Muito mais

Pois eu sei

Mas continuo jurando que suportarei

Faço igual ao danado do Dom Pedro

E se é para a geral felicidade

Digo ao mundo que fico

Que aguento

E piso no sofrimento