Grito da terra

Não se pode querer ser nada o tempo inteiro

As vezes é preciso ser alguma coisa qualquer

Mesmo que isso possa parecer passageiro

Como é o doce e tênue perfume da mulher

Hoje, só desejo ser a montanha inexpugnável

Contemplar a vida do alto do pico mais gelado

Ao mesmo tempo sinto esse calor intolerável

Por estar próximo de meu sol já quase apagado

Assistindo ao desenrolar das eras imemoriais

Pasmo da vida que germinou do nada absoluto

Nesses seres concretizados de forças irreais

E eu ali, teso, inatingível, persistindo resoluto

Sabendo ser distinto de tudo o que foi produzido

Homens, animais, plantas, de vida fugaz e fútil

Culminando como o adubo pela terra consumido

Só nessa hora parece que sua existência foi útil

A mim sempre soaria ainda mais inexplicável

Seres que em ínfimo tempo são descartados

Para que permitir matéria tão pouco durável?

Somente para vê-los pelo tempo destroçados?

Não existe explicação e sequer devo indagar

A mesma força que os gerou fez a mim também

Portanto, resta-me somente assistir e aceitar

Que da mesma terra que me forma, eles provém

Fortes, fracos, duráveis ou não, são eles os frutos

Que frutificaram um dia e tem sido sempre assim

Mesmo sendo, acima de tudo, tolos e brutos

Eles, como a terra, caminham rumo ao seu fim

O deles é o mesmo de tudo que compõe, vive ou habita

No seio da terra que hoje, finalmente, grita enfurecida

Para toda a criatura que ainda pode sentir-se contrita

Sou a terra que a todos provê, não posso ser esquecida!

A montanha-Eu, então, sentir-se-a como o ser imortal

Que após todos os milênios assistindo às eras imutáveis

Sente finalmente que é chegado, também, o seu final

Pelas mãos dos que julgou serem, apenas, desprezíveis.

Brasília-DF, 09 de novembro de 2009.