Eu (2002)

Eu, este que sou,

Eu _ que vi-me perdido

e que, no entanto, achado _

encontrado por mim mesmo,

Eu,

homem feito, a barba rala em que roço com a mão

a face

Eu, este corpo crescido corpo

_ corpo largado, sem propósito, a esta

cadeira a esta hora da noite em uma sala de aula _

Eu, feito homem, homem que sou

(um homem que sente, homem que sente),

_ Eu,

homem que sou,

(a voz fraca, há algo de dentro que não

se respalda)

_ Eu, homem, que ainda sinto-me fraco.

Fraco homem, é no entanto no estranho momento em que eu não sou,

que ainda sou....

Faço-me forte, no desvalor que há e

que condena

Porém_ e ainda que em meio a uma confusa,

confusa nuvem de fumaça, em que me perco_

eu encontro-me na voz última

E na voz última, quando já não me

cala o que ainda sente_

É homem ferido, homem ferido

_ que ainda sou naquilo que sente

Homem, ainda sou:

homem sou no que resta

_ e o que me resta ao corpo teso

aqui largado sobre a cadeira a esta hora?

_ a esta hora, a esta hora

(e é a esta hora que me encontro)

_ e porque me encontro homem sou:

homem sou na pequena voz em que sou e no que resta

e estou só.