De cais em caos
Quero poder te dizer
Que ainda há tempo
Pra ser feliz sem sofrer
E te olhar nos olhos
Pra devolver serenidade ao teu lar
Quero mesmo é te fazer crer
Que o mundo não foi feito pra te descrer
Que não deve ser só de maldade
A intenção do homem, tão demodê,
Queria te carregar nos braços,
beijar teus lábios
Te acompanhar no anoitecer
Mas o mundo não é esse
Não, nem é também mais aquele
Não é mais o meu, o teu
- ou da eternidade que sonhamos juntos
Das cores que não chegamos a pintar
Não, não é bem assim
Mas não fuja, por favor, nem tenha medo
- e não se esqueça de mim
Acreditar?
Acreditar é observar as engrenagens do mundo
Silenciosamente a te enganar
Te cobrir os olhos, vendar tuas crenças
Te ludibriar e vender tua ideologia frente ao mar
Justiça?
Não, não é esse o mundo
Que douramos quando demos de sonhar
Que nossos filhos brincariam no gramado
Que nos perderíamos olhando pro mar
Mas nem o mundo é mais aquele
Nem eu sou mais este
Este utópico triste que insistiu em bradar
e a cantar
Os cantos são mais fúnebres
Os encantos bem mais lúgubres
E eu já não estou mais
No mesmo lugar
Amar?
Há quem ame
Deixe que por si só
se ponha a desacreditar
a desencantar
Fé? Esperança?
Eu sou só um tolo a perguntar,
mas há algo nestes dias
pelo quê valha a pena lutar?
Há algum tempo eu mesmo já deixei
de acreditar
Sonhar
É apenas disfarçar
É evasão quando os sentidos
dizem 'não' à fé cega que insiste
em saltar aos olhos
Mas eu não, eu não consigo
mais sentir
Nem tento mais chorar
Privação, ilusão, evasão...
Imaginação, sensação, emoção?
Ganha pão, nostalgia, solidão!
Palavras são só palavras
E o silêncio já atormenta o peito
minhas fibras estão a romper
A torcer ou a contorcer
no escuro me confundo,
mesmo até com a vontade de não ser
Mas o amanhã virá
Sim, eu sei
e o amanhã pode não ser
mais aquele
Pode ser injusto, corrupto
Sujo e podre
Então será como hoje?
Mas quem realmente consegue
mais se importar?
Apatia, nostalgia,
Manhãs e tardes perdidas,
tentando encontrar no que ..
o que mesmo eu devo procurar?
mas deixa tudo isto pra lá,
não abra a porta,
não ouça o jornal
Não, meu bem, o mundo pode esperar
O amanhã não estará mais lá
Se eu não puder levantar
se simplesmente desabar
E eu não vou me entregar
Se levante, se ponha a lutar
Esqueça o que eu disse
e quem fui até agora
- Sejamos apenas o que podemos ser
- E isto será o suficiente?
- Não sei, me diga você!
- Devo acreditar que sim
E por uma razão que eu não
consigo entender
Eu não posso ceder
Erga a cabeça,
os dias estão complicados
mas eu não quero saber
O mundo, ah, o mundo
não pode ser tão pequeno!
Sei apenas que minha cruz
é querer saber demais
- é o que me traduz,
o que me leva de cais em cais,
em caos e me seduz
Nunca tive por quem lutar
ou por quem matar
Morri um pouco de cada vez
Toda vez que me pus a arriscar
Mas não me diga isso, pequena,
Deixe o dia nascer em paz
Se deite, se cubra
Feche a porta,
esqueça do mundo,
de mim e de tudo mais
Porque eu já esqueci
Até mesmo do mal que me faz
Esquecer de esquecer
Já não há retorno,
já é tarde demais