AREAL

AREAL

Eduardo B. Penteado

I

Um dia, parti de olhos vendados

Para desbravar os desertos...

Pisoteei flores raras em teu oásis de diamante

Mas o mundo é infinitamente finito!

Sempre em frente, em minha marcha

Regressei ao ponto de partida

Foi então que vi os muros.

Encontrei uma porta sólida e impenetrável

Justa e inevitável

Cuja única chave jaz perdida

Sob as areias dos desertos de minha vida

Parto agora numa busca mais objetiva.

Buscarei a chave que abre a tua porta

Tudo que possuo agora é o tempo que me resta

Uma enorme ampulheta

Um oceano de areia

E um fio de luz que escapa por uma fresta.

II

Se fosse definir para ti este momento louco

Acho que começaria por descrever os ecos

Loucos e ocos de lógica

Que reverberam contra mim.

Às vezes sinto-me como uma caverna secreta

Um poço de sons

Uma mera estrutura de ossos, sangue e olhos

Com todo o resto a ser preenchido

Por uma expectativa de um algo mais

De um grito...

De uma louca corrida por areias úmidas

De escuridão.

De um passo em falso

Na direção de um lindo abismo

Que foge à compreensão das outras pessoas

Pois dirige sua queda para cima

Rumo a um parafuso incontrolável de descobertas

E déjà-vu

Girando, girando

Mãos, olhos, bocas, vidas, tempos...

De tempos em tempos

O ponteiro dos segundos se mexe

Um brilho de diamante me ofusca

E eu alucino.

De tempos em tempos

A porta deixa escapar um fio de luz

Instantâneo, porém intenso

Tímido, lindo e tenso

Apenas um pequenino e tímido fio de luz

Que ilumina a periferia dos desertos.

III

Tenho areia nos olhos e água pura nas mãos

Sinto uma lágrima seca no rosto

Coagulando

E em meio a uma tempestade de areia

Vejo alguém a girar,

Girando no falso redemoinho da ampulheta.

Vi meu sangue na areia

Dei as costas para a porta.

Tenho areia nos olhos e uma cascata nas mãos

Por onde escapas de mim

Grão, grão, grão após grão

Girando mãos

Girando olhos

Girando uma tranca que, simplesmente... não.

''Um olho na fechadura,'' repete o eco

Mas tem de ser diferente!

Tende a ser referente:

O arame farpado que me isola de ti

Também cerca o meu horizonte

Não vejo campos, não vejo montes

Abre então a porta do teu desejo.

IV

A lua surgiu

E cobriu meus desertos.

Aqui e ali emergem espectros

Que fitam o sangue em minhas veias

E voltam a desaparecer nas areias.

Fechei os olhos,

E dentro de minha própria escuridão,

Adormeci.

Sonhei que a areia me cobria, e gritei!

Quis esmurrar a porta, como que possuído

Mas ela se transformou em fino cristal

Frágil demais para ser destruído.

Desaprendi o limite entre o sonho e o real

E brindei à dor do não concluído.

À minha volta, a paisagem se modifica

Os espectros me chamam para outra dimensão

E do outro lado da porta de cristal

Alguém sussurra o meu nome... em vão.

Em vão!

V

Um dia, parti de olhos vendados...

Estou fora dos desertos

As areias se transformaram em pó e cinzas

Junto com os princípios básicos da paixão

Repenso estroboscopicamente aquilo que vivi

Areia, ampulheta, abismos, gritos, gritos!

Um adeus às armas

Um impossível adeus às lágrimas

Um improvável adeus aos lugares-comuns.

Ora, boa noite!

Que surpresa vê-la aqui...

Para onde ir e de onde vir?

Inocência, deixe-me rir

Inocência, leve-me para longe dos desertos

Vastos e úmidos desertos

Cobertos por uma fina película de sangue

Sangue na areia

Uma rosa branca na areia

Ela está morta, e jamais gostou de rosas

Estou livre...

O céu se partiu, e está chovendo vidro.

Eduardo Barcellos Penteado
Enviado por Eduardo Barcellos Penteado em 04/11/2009
Código do texto: T1903969
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