BAÚ EM SONHO
BAÚ EM SONHO
No sótão da infância guardo baús.
Fotografias, desenhos, folhas secas, cartões,
Papéis de bombons, bonecas de papel e seus muitos trajes,
Vestidos de baile, uma grinalda de flores de laranjeira,
Naquele de sândalo, ali, junto à janela.
Lembranças de vozes, cheiros, músicas,
Cultos, Natais, Páscoas, aniversários,
Galpão de tanque, ferramentas e lenhas
--canela ,acácia, eucalipto--,
e uvas escorrendo pela parreira,
E doces de figo de verões,
campainha da porta
e ranger do portão de ferro.
No de cedro, encostado à Minerva, de infinitos panos de prato, remendos,
Reformas e roupas, banhados de sol.
No canto mais escuro,
Encostado á porta do quarto dos morcegos, há outro:
Sonhos recolhidos ao longo do caminho.
Coisas simples, porém, reais.
gestos pequenos,
viagens de ilhas, palmeiras e peixes.
Férias.
Feriados...
Veneza, Paris, Zurique .
Há, hoje, sobre sonhos desse baú,
gaveta de ébano.
E, quando invado esse pedaço de sótão,
desafio cheiro de morcegos,
abro o baú,
esconderijo de escolhas mortas:
ouço sussurros de sonhos amordaçados.
E saltam da gaveta e mordem-me os olhos
Mil formas de cobras, em arame e papel.
E todas têm cores, venenos variados,
E dançam seus chocalhos e presas,
Em sapateado sobre madeira escura.
E sons e peçonhas
esvoaçam no espelho
e assombram meu sono...