Descomposto

Em minha composição não há metal nobre

Não sou de aço, ferro, alumínio, nem cobre

Sequer da densa madeira, flexível, dobrável

Ou forte e rígida, qual um cedro, inabalável

Sequer da intangibilidade do ar que nos cerca

Ou mesmo o calor do fogo que queima e afeta

Em mim não há a dureza inenarrável da rocha

Ou essa fluidez escorregadia d'água que brota

Não tenho nada dessas características em mim

Superficialmente nem mesmo o tom do carmim

Não trago honra, nem glória, sou somente o pó

Venho dele, para lá um dia sei que volto sem dó

Não pertenço a nenhuma outra categoria, pudera

Sou um reles filho da terra, da inveja, da miséria

Sou revestido de carne, após findar-me é carniça

Por dentro, junto d’ossos, trago a terrível cobiça

Na carne putrefata, pestilenta, fiz minha morada

Próximo d’um jardim repleto inteiramente de nada

Lá vive o pouco juízo que me restou e a esperança

Jaz, ainda, a lembrança do sorriso d’uma criança

Também habita a saudade do tempo que era tudo,

O sol, as estrelas, eu tinha por teto todo o mundo

Hoje, vendo-me assim tão distante do que um dia fui,

Percebo que não sou nada, além da carcaça que ora rui.

Brasília-DF, 30 de outubro de 2009.