Contextualizar

Fico tentado a colocar a mão sobre a pena e escrever sobre a pena imposta a mim, de fazer o que não quero, mas posso, e não fazer o quero, mas não posso, chega a dar-me pena, mas sempre fico arrependido de não ter tentado.

Estou dividido entre a vontade de escrever e aquilo que devo fazer, mas espero que vença o melhor e que ele entre na minha história, para que com isso eu possa sentir-me mais a vontade.

Percebo que existem coisas absurdas às quais sou obrigado a fazer e pelas quais sempre quero ouvir, pelo menos, um simples obrigado, mesmo que com isso signifique ter que faze-las para sempre.

Como o ato escrever parece-me com o de viver, é prazeroso dobrar-se sobre o papel e por-se a tentar escrever, a cada linha a vontade de continuar parece dobrar, é como se fosse mais um ato no teatro da vida.

Essa é a essência mais pura, poder registrar mais uma vez os sentimentos, sem importar-me se um representa mais do que o outro, escrever mais e mais é o que mais agrada.

E esta agradável vontade de fazer tudo que não se pode, de ser deixado à vontade para fazer o que se quer, sem preocupar-se em ser agradável para ninguém.

É imensurável a satisfação de ter deixado algo para amanhã sem, no entanto, ter que dar satisfação a alguém por parecer que algo possa ter sido deixado ao esquecimento.

Sentir que a sua diferença é ser o nada e, mesmo assim, não fazer nada para mudar, por temer que com isso vá sentir a dor de não fazer mais diferença para ninguém.

Adiar para outro momento a discussão sobre o conceito das idéias que deseja exprimir, por temer que o conceito que irão exprimir de você considere somente o que foi dito nesse momento.

Então uso mesmo o papel no qual derramei a tinta que deveria destinar-se a ser o meu trabalho e derramo-me sobre ele, fazendo o papel de escritor, um ser que deveria emanar de mim mesmo.

E essa vontade que não passa, até piora quando o escritor que gostaria que morasse em mim passa os olhos sobre o que foi escrito e não fica a vontade por perceber que não foi ele que escreveu-me.

Ele, então, monta seu trabalho, meticulosamente, e, cheio de anseios, depois monta sobre seu ralo talento e tenta expressar as palavras que, então, são dele, antes que elas saiam pelo ralo de si mesmo.

Fico ali, vendo a alma a negra noite que derrama-se sobre árvores espectrais, enquanto fico falando sobre coisas que só as posso imaginar, acabo por concluir que é belo estar lá fora, vendo o concluir do dia.

Passo a andar por andar, como que inalando o inusitado aroma da folha que cai, sem mesmo perceber que não me cai bem andar, passo a passo, por sobre elas, assim como um dia andei sobre mim mesmo, a beira da marquise de um prédio, no qual só havia um andar.

Injuria é ter que ver esse trabalho realizado e não poder estar realizado fazendo o que gostaria de ter feito, isso lá fora, no escuro da noite escura, mas não posso, por isso mesmo que aquilo aflige-me.

Acabo por concluir que não posso deixar de lado o que devo fazer, pois eu devo isso por ter concordado em fazê-lo, verei isso finalizado mesmo que seja feito ao lado das coisas que quero concluir, terminar será realmente um feito, senão, por certo, eu mesmo que deverei ser finalizado.

Não me julgo capaz de ser levado a transitar entre a espúria vontade de ser eu mesmo e, ao mesmo tempo, procurar não parecer um ser infantil ou somente um menino levado, capaz de cometer os maiores absurdos.

Não deveria estar nessa condição, a procura de tempo, dividido assim, há tanto tempo para tudo, assim como o tempo às vezes parece que para o tanto que necessitamos e procura dar-nos a condição de fazer tudo o que se procura fazer.

Lá fora a paisagem não muda nunca, diferente da muda de uma planta qualquer, que cresce sempre e para o alto, sinto-me mudo, estranhamente tonto, meio alto, pois a minha volta é o painel mais tolo que já vislumbrei, dou uma volta no escuro e nada vejo, mas pressinto no ar, o qual aspiro, uma infinidade de segredos os quais aspiro desvendar, mas gostaria de saber quais são, para sentir-me novamente são.

Vivendo em sociedade acabo sendo o escravo de mim mesmo e das convenções sociais, sou somente mais um que é obrigado a ser quem não quer e está impedido de ser o ser que nunca será.

Sem relação com o outro não descubro nada a cerca do que eu mesmo posso querer ou ser, se é fazer só o que me é possível, se é tentar romper a cerca, ou deixar de fazê-lo, mas descubro-me do manto negro que me cerca e percebo, assim como as palavras dependem de um contexto, dependo de quem está a minha volta, isso para ser entendido por mim mesmo e pelo outro.

Brasília-DF, 29 de outubro de 2009.