Exista

Na nossa cidade não deveriam existir tardes tão sozinhas

Nem esquinas cheias de acidentes fatais

Na nossa cidade não deveria existir a hora triste

Depois de uma derrota nossa para o mundo

Na nossa cidade não deveriam existir amores negados

Nem ruas desertas com casas mudas

Nem aquele tempo que se leva para dormir

Que enche o quarto de dúvidas

E nos dá aquela pequena vontade de morrer

No nosso bairro não deveria existir a rua de cima

Que sempre ganha os campeonatos de jogo

Nem o céu com tantas nuvens cortando

A nossa conversa com o sol.

No nosso bairro não deveria existir a gargalhada alta

Das prostitutas que riem de mim

Nem tanta cor na paisagem

Que a gente vê mas não tem.

Na nossa rua não deveria existir o vizinho tão melhor

Nem os dias de mais frio do que roupas

Nem mais fome que comida

Na nossa rua não deveria existir os amigos que não moram mais

Nem este festival de mães mortas

Que abaixaram para sempre a cabeça dos filhos

Na nossa rua não deveria existir caminhar na calçada

Com esperança de algo que não se sabe o quê

Na nossa rua não deveria existir a saudade

Da infância que foi há anos ou ontem

Nem muros tão altos com cachorros lá dentro

Que se a bola cai não tem como pegar

Na nossa rua não deveria existir a doença de lembrar

Nem o telefone público

Que transforma o abraço em palavra...

Na nossa rua não deveriam existir tantas palavras

Fazendo procissão por tudo que há

Nem a gente brincando de tristeza

Tarde da noite quando já é a hora do soninho

E não de existir.