DEFICIÊNCIA

Auditiva, não mais ouço do anjo a voz

Visual, não há mais visões, há somente um céu primaveril

Gustativa, de forma alguma sinto a possibilidade do gosto de teu beijo

Tátil, não sinto absolutamente o calor da tua pele

O afago das tuas mãos

Olfativa, foi-se o perfume das rosas

Nada vejo nas poças d’água

Todos os segredos da caixa estão revelados

Findou o medo, não só de um, mas de todos os pecados

Não mais te carrego em meus braços

Meus versos emudeceram

Não há vencedor

Nem vencido

Vesti a roupa

Abdico do trono, tão má rainha eu sou

Cultivo rosas do desencontro

Expulsei a inquilina

Fechei a porta

Desci a cortina

Devolvo o perfume ao sândalo

E lanço fora o machado

Açucaro o suor

E apago trinta e cinco luas

Eis que as almas se separam

Cegas do sal do meu olhar

São meus os pés que pisam indecifráveis segredos

Não há mais murmúrios

Nem me debruçarei sobre as janelas de um olhar

Nem me apossarei da poesia

Nem dos lagos

Nem das sílfides

Enfim, fico de costas para o passado

É lá que uma voz canta uma triste canção

O sol que trazia nas mãos lanço ao espaço

Nada mais procurarei

Pois toda procura é vã

Devolvo intacta a parte de ti que em mim vivia

Sob a luz das águas neutralizo o sofrimento

E declaro solenemente

Que são excelsas as lições da vida

Ensinadas sob a batuta das lâminas do tempo

Jogarei água sobre as cinzas de todos os equívocos