A Canção de Mistress

26 de Setembro.

Ela compunha uma canção,

Na mesa dolorida;

Escrevia a vida arfando:

Versículos de ameaça a solidão.

Lembrava da adolescência,

Segurando uma foto amarelada.

Foi porta estandarte.

Foi Miss Ilusão 1984.

Mudou a retórica ordinária;

Pediu a ele por amor de verdade.

Sentiu no ventre a dor de filho perdido,

Um "não" abortado.

Foi humilhada, subestimada,

Retalhada na praça.

Camuflou sua realidade com base;

Despistou sua alegria;

Distraiu seus sonhos;

Tinha uma paixão em luto,

Que sua insanidade não percebeu.

Decadente, despedaçada,

Foi jogando seus pedaços na ladeira.

Diluía-se, esfarelava-se, dissolvia-se,

Marejava em lágrimas.

Eram duas da madrugada.

Viu seu rosto borrado nos ladrilhos.

Tanto desespero que lavava sua estrada.

Encarou uma navalha,

Viu o sangue encarnar a pia,

Percebeu a morte.

27 de Setembro.

Ela tomava café com a vida.

Viu o sol entrar no quarto.

Louca, desvairada.

Lúcida, acordada.

Viva, a Mistress vivia.

Ouviu o bater da porta,

Um homem chamava seu nome baixinho,

Distante, pediria que ele gritasse naquele momento.

Um homem conhecido,

Que tocava seu rosto

E segurava sua mão com carinho;

Falando de tragédias, dramas pessoais,

Pedindo desculpas.

Mistress juntou suas frases de cinema:

As sedas já foram rasgadas

"E é hora de você crescer."

Levantou da cama,

Saiu sem rumo.

Mistress queria mudar de nome,

Sua identidade não condizia ao seu estado atual,

Seu figurino não pertencia mais à cena.

O cenário foi mudado

E a vida comum não percebeu,

Mistress passou a se chamar Lover.

A nova Lady Lover queria um sorriso no retrato.

Ela queria degraus.

Ela queria escrever uma nova canção.

Alexandre Paiva
Enviado por Alexandre Paiva em 02/10/2009
Código do texto: T1844901
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