Lira cantada à moda antiga
Dois vestidos azuis
bailando nos ventos...
... meias e calcinhas
estendidas no caos.
A vida cotidiana depen-
durada com prendedores de roupas.
O varal que meu pai
improvisou. A vida no subúr-
bio ceilandense não era
propriamente
um quadro de Degas
suspenso na parede
embora o ar parecesse mais
leve.
Roupas bailavam
Sorriam no caos
Enquanto dois
meninos suavam.
Mas é tarde
quase noite
e contemplo, da rede, cober-
tores bailando nos ventos.
De repente esse cheiro
gostoso de sabão em pó.
Esse amaciante. E a vaga
lembrança de uma tarde que
ficou dentro de outras
tardes, de outras tardes azuis
em nosso quintal. De repente,
em algum lugar do passado
uma bola tingiu de lama o vesti-
tido azul de minha mãe.
Uma nódoa no vestido azul
de minha mãe. A bola que
chutamos no quintal. O vestido
azul de minha mãe. A nódoa.
Uma surra inesquecível que os
anos não trazem mais. Uma
nódoa. Uma triste nódoa
no vestido azul de minha
mãe. Ai, mas que saudade
não tenho da aurora da minha
vida! Das doces tardes onde
roupas bailavam no ventos,
das doces tardes parecidas
com as bailarinas de Degas
e cujos os anos
não trazem mais!
***