Sempre haverá uma música
Que do fundo do passado me perturba
Sempre uma palavra que não foi dita
Sempre uma coisa que não foi feita
Ou uma coisa que foi desfeita
Sempre um vazio no meio da bagunça das coisas
Sempre uma coisa na ordem perfeita do vazio
Sempre há um silêncio profundo que jaz no fundo
E tão distante de tudo tão fundo em mim
A impressão de não ser que se insinua
Sempre em algum lugar uma lembrança
Uma solidão a espalhar-se na rua
Sempre uma tal palavra que sempre tarda
Um pensamento que desvanece
A sensação mais funesta
A impressão mais canhestra
De a vida ser um nada de nada
Sempre um desespero assim tão sorrateiro
Sempre a ilusão de um dia que não amanheça
Sem que não me recorde da morte em tão pouca vida
De um resto do resto do que me resta
Sempre a espera de um rosto na multidão
De ser a mulher amada que não me encontra
E de isso ser uma esperança tão tola quanto tolos são os dias
E de ser isso tão inútil como cada hora que passa
Perpassadas em mim como adagas certeiras do tempo
Sempre um desalento nesse doer tão lento
Sempre um descompasso no que componho
Sempre um contratempo no que não ponho
Sempre um perder-se num último passo
Nessa falta de descanso
Sempre um cadafalso
Um labirinto
Um vôo no escuro
Sempre uma estação erma
Um trem que me leva
Um trem que me traz
E nenhum trem que me carregue
Para nunca mais...
Sempre uma verdade medianeira
A afastar-me da luz
E a apagar-me a vida inteira
Sempre a mesma música
A mesma palavra
Que não dizem nada
Sempre um andar na noite
Um esgueirar-se na rua
Um rastejar-se na sombra
Sempre um medo cortante
Na dor mais um açoite
Um querer não querer mais nada
Sempre um despertar angustiante
Sempre no meio da madrugada
Minha melhor cena no melhor ato
Desfazer-se em lembrança perpetuada
Perder cada mais um instante
Não querer a coisa lembrada
Querer exatamente
Toda a coisa que eu mato
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 28/09/2009
Reeditado em 07/09/2021
Código do texto: T1835407
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