Tenho medo de acordar no meio da madrugada
E descobrir relutante que amo você
E de que sua ausência seja tudo o que eu tenha
Tenho medo de não poder viver sem você
Então não vou dormir mais nenhuma noite inteira
Ao despertar esse amor vai me perseguir
E me assombrar nas horas mais inconvenientes
Em toda a parte vai ficar ali latejando
Como uma dor daquelas com as quais a gente se acostuma
E deixa ali a doer dentro do peito até esquecer

Tenho medo de estar parado no meio da vida
Tentando entender por que o amor não morre
Ou por que simplesmente não vai embora
Fica aqui assim do meu lado sem me querer
Fico tentando saber por que é metido a eterno
E por que tão somente não acaba para mim também
Por que não é coisa dada a ser esquecida
Não sei por que tem que deixar marcas
E me fazer sempre seguir seu rastro
Misturado sempre aos meus passos

Tenho medo de essa estrada não dar em nada
E de todo o tempo ter vivido inutilmente
Acreditando em todas as verdades erradas
E sacralizando produtos de minha imaginação
As ilusões mais tolas e os sonhos mais impossíveis
Típicas de qualquer reles ser humano
Que precisa inventar uma eternidade para fugir à morte
E criar um deus para viver eternamente
Que precisa de outra vida para ser melhor do que essa
E de um ser intocável para não sentir a dor de si mesmo

Tenho medo de essa força não ser suficiente
E todo esse medo detestável embrenhar-me mais no labirinto
E toda essa vã e inútil esperança carregar-me para bem distante
Tenho medo de não estar vivo mais uma madrugada
E de não poder encarar a força impoluta de mais um instante
Que traz o inevitável futuro que aos poucos me consome
Tenho medo da eternidade justo agora se fazer acabada
De todos os mundos do universo ser só esse vazio no peito
Tenho medo de olhar no espelho e não ver nenhum rosto
E de no espelho seu rosto enigmático me esquecer o nome

Tenho medo da hora da solidão não ser derradeira
E dessa tristeza lancinante ser assim próxima do infinito
Tenho medo de todo esse silêncio como coisa inesgotável
E de meus olhos estarem mirando apenas luzes mortas
Tenho medo de minha alma estar perdida no tempo
E de que o avesso absurdo dessa ilusão seja a realidade
Tenho medo de todas essas sensações abeiradas da verdade
Desse pasmo na escuridão ser toda possível sabedoria
Tenho medo então da vida como coisa assim tão fugidia
E de ser assolado pela morte que vem como ave de rapina

Tenho medo de apagarem-se todas essas minhas lembranças
E de súbito esquecer-lhe o rosto, o nome, os gestos, as palavras
Tenho medo de todo amor intangível e impossível nunca mais acontecer
E dessa tristeza que aqui se instala fazer parte de mim
Tenho medo de confundir para sempre os passos e os sentimentos
De todos os meus pensamentos amedrontados desistirem de ser
Parte importante de mim que me diz o que quero e o que é meu
Tenho medo de tudo o que é novo nessas tolas esperanças
E de tudo que já é assim tão velho nessa indisfarçável solidão
Tenho medo de gritar em vão numa vida que já não me pertence

Então, de repente, paira o absurdo silêncio
E reina, soberana, a insuportável solidão
E sinto-me repleto desse imenso vazio
Completo de todas essas coisas que faltam
Buscando covardemente só o que se acaba
E a vida vai se eternizando de nada
E eu vou agonizando ermo, de medo...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 24/09/2009
Reeditado em 22/09/2021
Código do texto: T1829836
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