Óbolo do barqueiro
Na hora derradeira em que me findar,
A moeda de prata não vou levar.
Pois que ela nem mais existe.
Esse costume há muito não persiste.
Então, como pagar ao barqueiro?
Será que aceita o óbolo em dinheiro?
Talvez mil reais seja o suficiente.
Só gostaria de passar de forma decente.
Será que pagando terei um bom lugar?
Ou cruzo, a nado, ao invés do lago, o mar.
Também, nem importa, a nota estará imunda.
Dessa forma ela é enjoativa, é nauseabunda,
Cheia de cobiça, de avareza, de usura.
Desses que é a sua forma mais pura.
Será que ele aceitará assim mesmo?
Ou ficarei vagando, no Aqueronte, a esmo?
No seu barco me sentirei um intruso,
Levando tanto sentimento confuso.
O pior é querer conservar o corpo perfeito.
Ir ao além, deixando-o sem nenhum defeito,
Só para vê-lo ser carcomido por vermes.
Acaso é, também, somente isso que queres?
Ao invés de deixar que outros sobrevivam!
De dar a vida aos que ainda nela acreditam!
Isso tudo por um mero preconceito banal,
Que os norteia pela vida e até no seu final.
Conceitos assim medíocres e tão antigos
Já deveriam ter sido há muito esquecidos.
Para que servirão os olhos se fechados?
O barqueiro que me guie ao outro lado!
Disso nem se fala, senão, uso uma bengala.
Sem ver a paisagem inda atravesso o lago.
E os pulmões? Acaso ainda respirarei?
Melhor deixá-los n'outro, a isso aspirarei!
Dessa forma levo o peito inflado de orgulho
E a alma carregando um sentimento mais puro.
Tecido, então, é o que menos importa!
De que servirá se é só matéria, e morta.
Agora do coração sim, não levo quase nada.
O orgulho, o egoísmo, a avareza, a ganância!
Esses que a vida toda só tem-me causado ânsia.
Algum desafortunado os receberá como herança.
Só levo sentimentos bons em lugar de coração.
Pago ao Caronte com caridade, paz, compaixão.
Os outros sentimentos que me atormentaram,
Que a vida toda só tristeza e dor causaram.
Esses deixo na terra, a mesma que ao corpo acolhe,
Talvez somente isso já baste para que me console.
Só espero que saiba lidar com toda essa emoção,
Nunca deixa-te dominar, faça bom proveito, irmão!
Ao que receber meus anseios, essa minha agonia,
Deixo, como compensação, o amor pela poesia.
Brasília-DF, 22 de setembro de 2009.